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abril 15, 2025

BRASIL SEM PLANEJAMENTO E UM FUTURO JÁ PRESENTE

O artigo do Alfredo contém um conjunto de conceitos e ideias que me parecem muito pertinentes. As principais são:

  • Resgatar o ineditismo da Constituição de 1988 na introdução do planejamento estatal como base para o desenvolvimento nacional.
  • Mostrar como essa orientação constitucional foi solenemente ignorada desde então, reduzindo o planejamento à mera elaboração orçamentária anual ou, quando muito, a uma relação de obras quinquenal.
  • Indicar que a chegada do ultra liberalismo ao poder, nos dias atuais, radicalizou essa tendência, concedendo ao mercado toda a responsabilidade pela dinâmica do desenvolvimento, em franca discordância com as experiências históricas dos países que se desenvolveram.
  • Lembrar que a divisão internacional do trabalho, gerada após a Revolução Industrial e ascensão dos países centrais, permanece mantendo em inferioridade tecnológica e produtiva aquelas periferias que não se movimentam politicamente.
  • Questionar sobre a possibilidade de, no quadro político atual, derivar uma reversão em direção ao ordenamento constitucional de 1988.
  • Insistir na necessidade dessa reversão para que o Estado assuma essa incumbência como base para o desenvolvimento.
  • E, por fim, detalhar a articulação orgânica entre os Órgãos de Estatísticas, o Escritório de Planejamento, o Legislativo, os Agentes Econômicos e a Sociedade para que o processo de planejamento seja eficiente, transparente e democrático.

Sérgio Gonzaga de Oliveira (*)

Segue o artigo de Alfredo.

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BRASIL SEM PLANEJAMENTO E UM FUTURO JÁ PRESENTE

Alfredo Maciel da Silveira (**)

Neste artigo sustento que a retomada do Planejamento no Brasil poderá ser um imperativo, a depender das decisões cruciais que os brasileiros tem diante de si.

Entendo estarmos atravessando um período de reformismo liberal, que não se resume ao tempo do atual governo, e que agrega as esperanças liberais - hegemônicas na ideologia e na política - em um Brasil "desenvolvido" ao modo do liberalismo. 

Mas diante do Brasil real, tal liberalismo poderia dar conta do que promete? E diante da crise social que se agrava, quais a chances de ruptura com esse projeto estratégico liberal? Um novo caminho econômico-social e democrático, mas em qual direção? 

 Ambientação Organizacional do Planejamento

Fonte: elaboração do autor 

Antecedentes. O Artigo 174 da Constituição: o que se pensava em 1988 sobre o planejamento? O que restou?

O planejamento abrangente e integrado das atividades econômicas dos setores público e privado no Brasil foi alçado a princípio constitucional desde 1988, primeira vez na história em que foi mencionado nas constituições brasileiras. Através do artigo 174 e seu parágrafo 1º, está organicamente inserido no "Capítulo I, Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica", que por sua vez abre o "Título VII, Da Ordem Econômica e Financeira".

Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.§1º a lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento. 

Tal dispositivo ainda permanece na Constituição sem jamais ter sido regulamentado.

Mas o artigo 174 e seu parágrafo 1º não entraram na Constituição por acaso. À época ainda havia a expectativa de retomada do planejamento sob relações Estado - Sociedade de inspiração socialdemocrata. Uma primeira redação desse dispositivo já constava do anteprojeto constitucional da "Comissão Afonso Arinos", de 1987, com idêntico conteúdo. Já então se fazia também a conexão com as atribuições do Poder Legislativo, quanto a dispor, "com a sanção do Presidente da República", sobre "planos e programas nacionais e regionais de desenvolvimento". É flagrante que a Comissão de Sistematização da Assembleia Constituinte considerou e aprimorou aquela proposta inicial. Sua organicidade e consistência ficaram evidenciadas pelas conexões estabelecidas com as atribuições do Congresso Nacional e do trabalho de suas comissões (respectivamente os artigos 48 e 58 da Constituição), onde se destaca a participação do Poder Legislativo no processo decisório do planejamento.

Ora, sabe-se o que veio depois, com a radical liquidação do Estado desenvolvimentista e a mudança de rumos das relações Estado - Sociedade e Estado-Mercado desde o governo Collor, relações que não seguem à letra o contemplado originalmente na Constituição de 1988, já de resto sucessivamente emendada.

O pouco que se fez no Brasil desde então, sob a denominação de "Plano”, esteve regido pelo artigo 165, alusivo aos orçamentos, onde consta o “Plano Plurianual” que apesar do nome nada mais é que um orçamento para cinco anos,  de  âmbito muito mais restrito portanto, integrante de outro Título, de número VI, "Da Tributação e do Orçamento", em seu "Capítulo II, Das Finanças Públicas". Assim, conceitual e metodologicamente nada tinha a ver com o desenvolvimento institucional da concertação entre governo e setor privado, com a interação estratégica entre players relevantes, ou ainda com a produção de informações socioeconômicas consistentes entre si como base da negociação política, elementos essenciais de um planejamento indicativo contemporâneo.

Situação presente. Reformismo liberal e crise social.

Henrique Meirelles, cujas crenças são muito próximas às de Paulo Guedes, quando então ministro de Temer preparou o terreno do que se assiste agora na política econômica e na crise social que se avizinha. Mas havia uma grande diferença. O objetivo era permitir a Temer postular a reeleição. E para isso teria bastado, na visão deles, uma recuperação tímida da economia, crescendo uns 2%  em 2018, que sinalizasse o afastamento da recessão, e tendo sido aprovada também a Reforma da Previdência.

A médio prazo, preparava-se o pacote da infra-estrutura, agora herdado pelo atual governo, a ser oferecido ao capital privado. Isso puxaria o investimento e taxas um pouco mais elevadas do PIB a partir de 2019; mas deu tudo errado para Temer na política, pelos motivos que se sabe. Em comum com o Guedes a crença de que, ressalvados os freios ortodoxos das políticas monetária e fiscal, o "mercado" determina a taxa de crescimento e tudo o mais: se a indústria vai sobreviver à competição, se o país vai se especializar na exportação de commodities, se a pobreza será erradicada em dez, cinquenta anos, ou nunca, se as desigualdades serão "mitigadas" ou não, etc. O Guedes apenas radicalizou esta crença, com o agravante de extrapolar uma tendência para quatro anos, apregoando uma taxa de crescimento média de 2% aa.

O novo e o de sempre. Capitalismo global e heterogeneidade estrutural.

Há um "fetichismo" generalizado, nas nossas elites e nas nossas camadas sociais médias de renda mais alta, de que seu modo de vida, seus padrões de consumo aculturados aos das sociedades capitalistas centrais, devem seguir sendo a referência do progresso, da modernização, do que seria o “desenvolvimento” socioeconômico. Desnecessário apontar o papel da disseminação ideológica dessas "verdades", dessas "evidências", fundadas nos “argumentos de autoridade” de intelectuais orgânicos assentes na academia e nas consultorias.

De fato, as mudanças estruturais em curso na economia mundial aprofundam mais e mais a histórica integração de subsistemas econômicos modernizados periféricos aos centros dinâmicos do capitalismo global, de onde emanam as decisões econômicas estratégicas, determinantes por sua vez das relações de poder que fazem reiterar, reproduzir, aquele "fetichismo". Em contrapartida àquele subsistema periférico moderno e "desenvolvido", aprofunda-se a heterogeneidade estrutural. Por exemplo, muito da fundamentada constatação quanto à falta de competitividade da indústria brasileira reflete justamente os novos diferenciais de produtividade causados pela fronteira da “quarta revolução industrial” ou “indústria 4.0” por onde a “antiga” heterogeneidade agora se metamorfoseia.(O conceito de "heterogeneidade estrutural" foi originariamente proposto pelo economista  chileno Anibal Pinto, desde 1970,  para dar conta, em poucas palavras, dos desníveis de produtividade entre os subsistemas econômicos modernos e os tradicionais dos países periféricos do capitalismo, bem como da nula ou mínima  irradiação dos ganhos econômicos gerados nos primeiros para os segundos subsistemas, internos àqueles países– ver também Nota 1 ao final).

Ao mesmo tempo persistem: a economia "paralela" de "baixa produtividade", a economia “informal” (que agora se “formaliza” mediante truques legislativos), a indústria das construções irregulares, os serviços dos “empreendedores” pobres, dos sem emprego, o comércio dos “camelódromos”, do caos urbano, das crianças nos sinais de trânsito, subsistemas já de há muito descritos figurativamente como o lado atávico e caricatural das "Belíndias" e "Ornitorrincos"1.

Crescimento acelerado e ação estrutural? Planejamento ou reformismo liberal? 

Diante da atual hegemonia política e ideológica do liberalismo, cabe perguntar: até onde o aprofundamento de uma crise social poderia desapontar as esperanças do reformismo liberal ora em curso, levando a uma mudança de rumos? Ou, ao contrário, poderia reforçar a crença na necessidade de "mais-do-mesmo", de “fuga-para-a-frente” com a liquidação do que ainda resta dos instrumentos de atuação direta e indireta do Estado na economia conforme o ordenamento constitucional de 1988?

Lideranças democráticas gravitando ao centro do espectro político, mais à direita ou mais à esquerda, postulam um protagonismo em meio à crise social já manifesta. Elas representam respectivamente, ou a continuidade do projeto estratégico liberal em curso ou a sua ruptura.

Eis o ambiente no qual está inserida a possível negociação e construção política de um Projeto Nacional de Desenvolvimento e a recuperação de seu elo perdido, o planejamento. Tais são os contextos socioeconômico, político e internacional sob os quais as opções estratégicas sobre o nosso futuro já estão neste momento sendo jogadas, podendo desse modo o planejamento vir a ser um imperativo, a depender das escolhas que o povo brasileiro tem diante de si.

A propósito, numa série de três artigos de Sérgio Gonzaga de Oliveira recentemente publicados neste Blog, e especialmente como está dito logo ao início de “Urgente – A retomada do desenvolvimento III”, perpassam as teses da necessidade de um Projeto Nacional de Desenvolvimento, de suas condicionantes políticas e da recuperação da função Planejamento que lhe é associada.

Sabidamente o “PIB” não é indicador de bem estar social. Portanto, falar em crescimento da economia, e mesmo do seu “desenvolvimento”, por si só nada implica quanto à qualidade social do mesmo. No entanto, mesmo um liberalismo “mitigado”, “educado”, sensível a priorizar “políticas sociais” em áreas tais como saúde, educação, proteção social e também em segurança, fica de mãos atadas na questão da fonte primária do financiamento dos respectivos gastos públicos que é o próprio PIB, e cujo crescimento a taxas maiores ou menores fica entregue aos desígnios sagrados do “mercado”.

Certo é que o neoliberalismo de hoje dobra as apostas conservadoras do passado.

Isso vem desde as teorias “etapistas” do desenvolvimento econômico (anos 60), quando muitos acreditavam que as economias subdesenvolvidas percorreriam o caminho já trilhado pelas desenvolvidas. Bem depois, por volta de 1974, nos tempos do regime militar e sua “teoria do bolo” – “primeiro crescer para depois distribuir” - Roberto Campos comentara ter sido então superada, segundo ele, o que teria sido a controvérsia anterior a 1964 entre "distributivismo" versus "produtivismo", pela opção "produtivista" do regime militar como premissa para a construção de instituições de política social, salarial, educacional, de seguridade, etc.

Finalmente já no presente século, voltaram as esperanças - e aqui não só de neoliberais diga-se, mas de muitos insuspeitos “progressistas” -  quanto à “integração do mercado de trabalho”, ao crescimento real dos salários, ao “círculo virtuoso” entre “consumo de massa” e investimento industrial, apostando-se então na superação do subdesenvolvimento mediante, conservadoramente, o investimento em educação, transferências de renda aos grupos sociais fragilizados (Bolsa Família), consumo de milhões de smartphones e  de “espaçosas” TVs de tela plana nas apertadas e precárias moradias populares...

Ora, o imenso passivo social característico do Brasil requer simultaneamente um crescimento econômico acelerado sustentado e ações estruturais, dos lados tanto da oferta quanto da demanda, com efeitos redistributivos não só na renda mas principalmente quanto ao acesso a bens públicos e à acumulação de bens produtivos (aqui tome-se por referência a pesquisa e obra coletiva  de Hollis Chenery, Montek S. Ahluwalia e outros, através do Banco Mundial  e da Universidade de Sussex, publicada sob o título “Redistribution With Growth”, 1974) das populações excluídas daquele subsistema econômico moderno acoplado ao capitalismo global. Trata-se portanto de enfrentar o passivo histórico legado por um sistema econômico perverso, reiteradamente gerador de heterogeneidade estrutural, que não reduz os diferenciais de produtividade entre subsistemas econômicos segmentados ou fracamente integrados, nem difunde para o conjunto da população as conquistas do progresso técnico usufruídas pelas camadas sociais privilegiadas (tal diagnóstico perpassa toda a obra do economista brasileiro Celso Furtado, considerado não só um dos maiores pensadores do Brasil mas um dos grandes quadros da República – aqui a destacar, seu livro “O Mito do Desenvolvimento Econômico, 1974).

Tanto o crescimento acelerado e a ação estrutural de oferta e demanda são perfeitamente exeqüíveis em economias de mercado mediante a liderança do Estado em coordenação com o setor privado sob a modalidade de política econômica e social sintetizada no conceito metodológico de planejamento indicativo.

Bom que se diga, apenas em teoria se pode falar de planejamento indicativo “puro”, porquanto em todas a situações práticas ele é “(mais que) indicativo”, dado o arsenal de instrumentos do Estado a induzirem, seja o alinhamento de grupos privados aos objetivos e metas da sociedade representadas no Estado, seja a criarem uma situação de “jogo cooperativo” entre  outros tantos grupos privados e o Estado, seja finalmente - e mais importante – a habilitarem metodologicamente o Estado como um “player”, que de fato o é, em seu jogo aberto, em sua interação estratégica, com poderosos interesses econômicos e geopolíticos em virtual situação de conflito. Diga-se também, que o Brasil reúne características de extensão territorial, recursos naturais e dimensões econômica e demográfica que lhe conferem potencialmente um alto grau de autonomia decisória numa economia mundial integrada e globalizada.

Informações, negociação e concertação

A produção de consistência das informações socioeconômicas é insumo básico, que está no início do aprimoramento contínuo institucional do planejamento. E a revolução informacional em curso, que impacta a cultura e a vida quotidiana, facilita em muito a participação da cidadania. Trata-se de toda uma ambientação organizacional a ser desenvolvida pari passu ao suporte instrumental e técnico dessa abordagem da política econômica e social.

O caput e o parágrafo 1° do Artigo 174 da Constituição, delineiam de forma irretocável os princípios estruturantes de uma modelagem das políticas econômica e social em direção ao desenvolvimento institucional.

O primeiro passo é a simples produção de informações socioeconômicas articuladas e internamente consistentes (para o que o país dispõe do IBGE, IPEA e de toda uma extensa rede de pesquisa abrangendo a sociedade civil – ver Figura ilustrativa) propiciando a explicitação de custos, trade-offs (p.ex. perdas e ganhos equivalentes entre grupos sociais ou entre presente e futuro) e benefícios das estratégias, o que por si só elevaria a qualidade da negociação política. Informação é a matéria prima da negociação e do planejamento em economias de mercado.2

Note-se que esse decisivo passo inicial é do inteiro controle do poder executivo e em nada conflita - muito ao contrário - com a condução quotidiana do conjunto das políticas econômica e social.

Mas este suporte informativo deve, contudo manter-se em conexão ao processo decisório em escala social e inserir-se no ambiente organizacional próprio deste processo. As dimensões, técnica, e político-institucional do planejamento então conjugam-se, exigindo um mútuo desenvolvimento, em aprimoramento contínuo. Na sua falta, o debate das políticas e reformas não sai da perspectiva setorialista e parcial.

Por sua vez a criação de um "clima", de um ambiente institucional e macroeconômico adequado à confiança do setor privado, mormente para a indústria, é absolutamente crucial também no contexto do planejamento. Para o setor privado o planejamento não é impositivo obviamente, mas convida à concertação e ao alinhamento de expectativas. Nisso reside sua força. Aquela concertação é o "coração" da sua metodologia. Abrange um todo, setores público e privado. Não é só investimento público, não é uma lista de obras, nem a superposição de neoliberalismo, voluntarismo e dirigismo sem plano.

Ambientação Organizacional – uma proposta.

Por fim, brevemente para concluir, alguns aspectos da dimensão institucional e organizacional. Os passos podem ser visualizados na Figura ilustrativa.

Apoiada nas projeções e simulações preliminares do Escritório de Planejamento e do Órgão de Estatística, a autoridade central define "Grandes Opções" e "Objetivos" que são submetidos ao Parlamento para aprovação (por analogia ao que representa para o Orçamento a LDO - Lei de Diretrizes Orçamentárias). De volta à área do poder executivo, estes objetivos e opções serão convertidos no plano propriamente dito. Nesta fase é muito importante a definição da relação objetivos - instrumentos. Aqui, o Escritório de Planejamento se apoia parcialmente em modelos de simulação, cuja estrutura modelística enfatiza as limitações impostas pelo conjunto de instrumentos de fato disponíveis, bem como pelo comportamento de agentes fora do controle governamental, e pelas instituições em geral. O modelo gera resultados formais, que deverão ser criticados e complementados com base no conhecimento intuitivo, experiência e juízos práticos. Isto significa que nem todas as possibilidades e restrições deverão estar representadas no modelo. Neste sentido, o modelo deverá ser complexo até o ponto em que produza resultados corretos e confiáveis. O modelo deverá ser conectado à base de dados do Órgão Estatístico (IBGE). Este órgão também operará modelos mais próximos a uma extensa base de dados, com menor ênfase nas restrições impostas pelo elenco de instrumentos, e com maior flexibilidade para explorar resultados fisicamente possíveis, num horizonte de longo prazo, que inclui a consideração de um módulo demográfico que contemple, além das variáveis demográficas, a interação destas com o sistema educacional, as condições de oferta e demanda do mercado de trabalho, e a evolução das condições de vida de grupos sociais.

Uma vez elaborado o Plano, ele deverá ser debatido e aprovado pelo Parlamento. Aqui se culmina um processo que se desenvolve em paralelo à elaboração do Plano, a saber, o processo de negociação política dentro da sociedade, entre os diversos grupos sociais e agentes econômicos. Mormente numa situação em que os perfis da renda e da riqueza são concentrados, a informação explicitada no Plano, tornando transparentes os trade-offs, particularmente aqueles alusivos a perdas e ganhos dos diversos grupos sociais, vem a ser uma peça fundamental na formação e estabelecimento de compromissos em torno da trajetória ou padrão de desenvolvimento a ser perseguido. O papel da informação no aperfeiçoamento democrático é, portanto, essencial.

Durante o processo até aqui descrito, o Conselho de Planejamento, formado por representantes de instituições sociais, especialistas e personalidades de notório saber e independência, assessora o governo e o parlamento em caráter consultivo.

Durante a implementação, o Escritório de Planejamento ajustará as relações objetivos-instrumentos por meios formalizados e não formalizados, conforme mencionado acima, com base na informação nova que for adquirida durante a implementação. 

Notas

[1] “Belíndia” foi a imagem do Brasil cunhada desde o ano de 1974 pelo economista brasileiro Edmar Bacha em sua fábula de um país fictício que justapunha a pequena “Bélgica” desenvolvida, com a imensa e populosa “Índia” subdesenvolvida. Já “O Ornitorrinco” foi título de relevante artigo de 2003, do sociólogo brasileiro Chico de Oliveira, recentemente falecido. Tratava-se para ele de representar o Brasil como uma “(...) sociedade e economia em seus impasses e combinações esdrúxulas (...) que só podiam ser um ornitorrinco”. A destacar o reconhecimento por Chico de Oliveira, em nota ao final de seu trabalho, quanto à contribuição do economista chileno Anibal Pinto “(...)em acentuar a heterogeneidade estrutural como marca específica do subdesenvolvimento”. (ver também PINTO, Anibal. Heterogeneidade estrutural e modelo de desenvolvimento recente. In: SERRA, José coord. América Latina – Ensaios de interpretação econômica. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979). Conclui Chico: “(...) Retomando sua contribuição, talvez se possa dizer que o ornitorrinco é uma exacerbação da heterogeneidade estrutural”. 

[2] A contribuição  aqui provem principalmente de Isaac Kerstenetzky com seu seminal artigo  “O Planejamento Econômico e Social em Economias de Mercado: Informações e Compromissos” -  Debate Econômico, Belo Horizonte: Ed. Fundação João Pinheiro, p. 17-25, dezembro 1986; acredito (apenas uma conjectura) possa ter este trabalho do Dr. Isaac  subsidiado as formulações sobre o Planejameno Indicativo no projeto de constituição da “Comissão Afonso Arinos”, e na própria redação do atual Art. 174 da Constituição, conforme o mencionado ao início do presente artigo.

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(*) Sérgio Gonzaga de Oliveira é engenheiro pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e economista pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Recentemente abriu o debate aqui no Blog sobre a retomada do desenvolvimento econômico mediante três artigos concatenados.

(**) Alfredo Maciel da Silveira é engenheiro (UFRJ), MSc. Eng. de Produção (COPPE/UFRJ) e Doutor em Economia (IE/UFRJ). É um dos editores deste Blog “Democracia e Socialismo”.

Publicado originalmente no blog Democracia e Socialismo em julho de 2019

abril 14, 2025

URGENTE: A RETOMADA DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (III)

       Sérgio Gonzaga de Oliveira (*)

No segundo artigo dessa série, postado em maio próximo passado, publiquei um diagnóstico tentando entender a estagnação da economia brasileira nos últimos 40 anos. Analisei sucessivamente as variáveis que têm potencial para explicar a dinâmica da economia capitalista no longo prazo: a acumulação de capital, a formação dos mercados, a dinâmica populacional e a produtividade. A principal conclusão dessa investigação é que existem limitações estruturais  graves no sistema produtivo brasileiro que impedem a continuidade de nosso desenvolvimento. Como essas variáveis são interdependes, em determinados cenários, algumas delas travam o crescimento das outras e o conjunto fica estacionado. Forma-se uma espécie de círculo vicioso. No máximo ocorre o que os economistas chamam de “vôo da galinha”. São pequenos períodos de expansão seguidos de recessão, mas no longo prazo e na média, o crescimento é próximo de zero. A grande incógnita dos dias atuais é como romper com essa estagnação.

Os caminhos disponíveis não são muitos. A retomada do desenvolvimento de longo prazo precisa cumprir algumas etapas iniciais antes de começar a se tornar realidade. A primeira delas, e provavelmente a mais importante, é a estruturação de um pacto político pelo desenvolvimento. A construção desse pacto deve dar origem a um conjunto de ações estratégicas que permita o alinhamento dos agentes econômicos, do Estado e da opinião pública com o mesmo objetivo: eliminar as deficiências estruturais que nos paralisam. Em seguida é necessária a implantação de uma estrutura de planejamento focada nesses objetivos e disseminada em todos os órgãos do Estado envolvidos com a retomada. Essa estrutura de planejamento deverá definir as ações que serão conduzidas pelo Estado, pela iniciativa privada ou em parcerias público privadas.

A história econômica tem mostrado que o desenvolvimento acelerado resulta de uma severa intervenção da sociedade no rumo dos acontecimentos.  É uma combinação da implantação de ações estratégicas de longo prazo com o sequenciamento de políticas econômicas adequadas para cada momento da conjuntura. Essas políticas de conjuntura devem tentar amortecer as flutuações que caracterizam o capitalismo, recuperar e manter a capacidade de investimento do Estado e absorver os choques internos e externos que tumultuam a economia. Não é uma tarefa fácil, mas, dependendo das escolhas, podem ajudar muito o desenvolvimento de longo prazo.

Como já ressaltado no artigo anterior, a recuperação da capacidade de investimento do Estado depende da redução de suas despesas correntes e, principalmente, da retomada do crescimento, que promova o aumento da receita pública. Se o processo for bem conduzido, forma-se um círculo virtuoso que acelera o desenvolvimento.

Os modelos de desenvolvimento

De forma bastante simplificada pode-se dizer que, desde a redemocratização até nossos dias, os economistas se dividem em duas correntes principais quando propõem a retomada do desenvolvimento: os que advogam a chamada “integração competitiva” e os denominados “desenvolvimentistas”. Os primeiros se caracterizam pela defesa de uma completa abertura no comércio exterior. Segundo esses, a abertura comercial leva a um aumento da produtividade na indústria de transformação e, em tese, as que sobrevivem ao embate com os produtores internacionais são beneficiadas pelos ventos modernizadores da competição, em um processo similar à “destruição criativa” de Schumpeter. Alegam também os defensores desse modelo que a modernização forçada pela abertura comercial irá se espraiar para outros setores da economia. Além disso, propõem uma completa desregulamentação, reduzindo a intervenção do Estado, na suposição de que a dinâmica da economia de mercado, associada à liberação comercial, será capaz de retomar e acelerar o crescimento econômico.

Os “desenvolvimentistas”, com algumas variações, se distinguem por uma política industrial ativa, onde o Estado escolhe setores estratégicos e por meio de subsídios, incentivos e proteções promove seu desenvolvimento. Os defensores desse modelo alegam que se os setores forem bem escolhidos haverá uma espécie de “arrastamento” em relação ao restante da economia. O “desenvolvimentismo” se caracteriza também pela adoção mais ou menos generalizada de barreiras e proteções contra a concorrência internacional. Além disso, propõem uma atitude ativa do Estado, intervindo em vários setores, inclusive com investimentos diretos ou empréstimos significativos.

Entretanto, a adoção de qualquer desses modelos, no Brasil atual, esbarra nas deficiências estruturais do sistema produtivo. E uma das mais importantes é a reduzida produtividade básica da economia. Como já foi analisada no artigo anterior, a produtividade básica é construída fora dos portões das fábricas e está relacionada a quatro áreas principais: (1) a existência de um ativo sistema nacional de tecnologia, (2) a amplitude da infraestrutura física (energia, transporte e comunicações), (3) a qualidade da infraestrutura social (educação, saúde, habitação, saneamento e mobilidade urbana) e (4) a eficiência do Estado. Não é preciso argumentar muito, nem lançar mão de exaustivos dados estatísticos, para se constatar que o Brasil está seriamente defasado em sua produtividade básica. Durante o ciclo de substituição de importações essas áreas deveriam ter se desenvolvido em conjunto com o crescimento econômico mas por diversas razões ficaram para trás. A oitava economia do mundo emergiu para a democracia com um atraso lamentável em pontos vitais para a continuidade do desenvolvimento. Uma das razões mais prováveis para o atraso foi o impacto desorganizador da explosão demográfica e da migração campo-cidade ocorrido durante todo esse período. Mas não foi só isso. Erros de estratégia foram cometidos e seus efeitos danosos são observados até hoje. Um exemplo bem conhecido é a radical opção rodoviária dos anos JK e seguintes. As ferrovias, cabotagem e transporte urbano sobre trilhos foram liquidadas. A educação é outro exemplo dramático. Sucessivos governos, com raras exceções, relegaram a educação a um segundo plano. Nos dois casos, como em vários outros, trilhamos um caminho completamente diferente da maioria dos países que se desenvolveram.

Diretrizes estratégicas de longo prazo

É necessário então que o aumento da produtividade básica da economia se transforme em uma importante diretriz estratégica e que resulte em ações de longo prazo para eliminar esses pontos de estrangulamento. Deve-se observar que, em quase todos os itens relacionados, a participação do capital privado é necessária e, na maior parte das vezes, essencial. Até porque os recursos financeiros do Estado serão sempre escassos. Vale a pena destacar também a importância da eficiência do Estado para os objetivos pretendidos. Um Estado ineficiente é o mesmo que nada.

De qualquer forma, a herança da produtividade básica muito baixa dificulta a escolha de qualquer modelo de desenvolvimento do tipo “integração competitiva” ou “desenvolvimentismo”. A adoção da “integração competitiva” poderia aniquilar completamente a indústria de transformação atual antes que a modernização pela competição tivesse qualquer efeito. Principalmente em confronto com produtores internacionais que têm em seus países produtividade básica muito mais elevada ou vantagens competitivas difíceis de superar no curto prazo. Quanto ao “desenvolvimentismo”, a reduzida produtividade básica nos condenaria a proteger eternamente o parque produtor. É muito oneroso para o Estado desenvolver qualquer setor, por mais promissor que seja, quando a produtividade da economia trabalha em sentido contrário. O debate em torno da adoção de qualquer desses modelos, ou de suas variantes, deveria ser precedido de um longo esforço nacional de planejamento e execução de ações que elevem a produtividade básica a um nível compatível com os nossos competidores internacionais.

Ainda assim, a competição internacional não é um assunto trivial. Em geral, os países desenvolvidos e muitos emergentes defendem a abertura dos mercados para setores em que seus produtos são mais competitivos e fecham suas fronteiras onde têm menor produtividade. Por essa razão, enquanto o esforço de elevação da produtividade estiver em andamento é conveniente tomar algumas medidas acauteladoras. A principal delas é proteger da melhor forma possível a indústria de transformação que sofre com a concorrência internacional, especialmente com condições internas muito desfavoráveis. Além disso, vale a pena promover o desenvolvimento de alguns setores que agem transversalmente, aumentando a produtividade de todos os outros. Entre esses estão as áreas de digitalização, integração de sistemas, automação e inteligência artificial.

Infelizmente, a fraca produtividade básica não é nosso único grande problema. Duas outras deficiências estruturais já discutidas no artigo anterior travam o desenvolvimento. Como requerem ações de longo prazo para sua superação, devem ser incluídas nas diretrizes estratégicas. A primeira é a péssima distribuição de renda. O Brasil encerrou o ciclo de substituição de importações com um mercado de consumo interno muito reduzido em relação ao número de seus habitantes. A maior parte da população não participa desse mercado, em grande medida devido à má distribuição da renda. Muitas das instituições e políticas públicas atuais deverão ser modificadas e outras implementadas com o objetivo de incorporar as populações marginalizadas ao sistema produtivo. O principal objetivo será a formação de uma extensa classe média que sustente um vigoroso mercado de consumo interno. Esse é o padrão observado nos países desenvolvidos. Não há como ignorar a má distribuição de renda num projeto de desenvolvimento. Não há como chegar ao mundo desenvolvido mantendo a vergonhosa marca de nono país mais desigual do planeta.

A segunda, mas não menos importante, é a preservação do meio ambiente. Na grande maioria dos bens e serviços produzidos pelos humanos a contribuição dos recursos naturais é essencial. A participação desses recursos na produção da riqueza é tão significativa que nas últimas décadas a possibilidade de esgotamento ou degradação de suas fontes e do ambiente natural tem se tornado uma perspectiva sombria para a humanidade. A preservação do meio ambiente e a utilização racional dos recursos naturais tornaram-se pontos vitais da agenda política de todos os países, inclusive dos emergentes.

Um pacto político pelo desenvolvimento

Em resumo, a elevação da produtividade básica, a distribuição da renda e a preservação do meio ambiente devem ocupar um lugar de destaque entre as diretrizes estratégicas. Devem resultar em ações coordenadas de longo prazo que modifiquem estruturalmente o sistema produtivo e rompam o círculo vicioso da estagnação de quatro décadas. Como são ações de longo prazo, é indispensável que sejam consolidadas em um pacto político que ultrapasse o período de quatro anos de renovação dos mandatos dos governantes. O ideal é que esse pacto pelo desenvolvimento seja subscrito pela maioria das forças políticas do país e permaneça no programa de atuação de qualquer partido ou coligação que venha a ser eleito para o Governo ou para o Congresso. Seria algo semelhante na forma, porém com conteúdo diferente, ao que ocorreu no Pacto de Moncloa, quando a Espanha organizou a transição para a democracia. Em Madrid, além dos partidos políticos, participaram do pacto as Centrais Sindicais e as Federações de Empresários.

Um projeto de desenvolvimento é essencialmente um projeto nacional. Quando um país cresce passa a ser concorrente direto dos já desenvolvidos e a sofrer restrições de toda ordem. Certamente, enfrentará dificuldades externas nos campos da economia, da tecnologia, da geopolítica e da cultura. Terá que abrir espaço, com habilidade, nas áreas comercial e diplomática e reforçar seus sistemas de defesa e segurança. Por essa razão, um pacto político pelo desenvolvimento, que consolide a unidade nacional, é essencial. Nesse sentido a polarização e fragmentação que caracterizam a política brasileira nas últimas décadas são extremamente danosas. São o cenário ideal para a continuidade da paralisação e estagnação.

Entretanto, apesar da importância da economia, o desenvolvimento não é só isso. Outras diretrizes visando o aperfeiçoamento das instituições democráticas, da universalização dos direitos humanos, da consolidação dos direitos civis e da ampliação das liberdades básicas deverão ser consideradas.  Quaisquer que sejam as diretrizes estratégicas escolhidas é necessário construí-las em torno de um projeto político que transforme o Brasil em um país desenvolvido, soberano, com justiça social e orgulhoso de seus ambientes naturais preservados.

Quando não existe um projeto de futuro, a política se amesquinha. Transforma-se numa mera luta pelo poder. Tudo perde sentido, o tecido social se esgarça, a ética se esvai. A corrupção, a violência, a ilegalidade e o oportunismo se transformam em métodos de ação política.

A verdade é que não existe solução fácil. Não existe “bala de prata”. O tsunami da explosão populacional, da migração campo-cidade e a herança oligárquico-escravagista do Brasil colônia deixaram suas marcas. Entretanto, não nos deixemos iludir pelas vozes pessimistas que tentam nos condenar ao atraso, insistindo que tudo deriva de nosso “complexo de vira lata”. Não é verdade. Em vários setores somos vencedores. A extração de petróleo em águas profundas, a produção e exportação de commodities, o desenvolvimento e fabricação de aeronaves são exemplos gritantes. Existem muitos outros. Não devemos perder a esperança em um futuro melhor. É perfeitamente possível vencer esse desafio. Certamente um proveitoso ciclo de entendimento político, diretrizes estratégicas bem delineadas, planejamento e investimentos estatais, participação ativa do capital privado e execução cuidadosa tirará o Brasil da situação lamentável em que se encontra.

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(*) Sérgio Gonzaga de Oliveira é engenheiro pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e economista pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL).

Publicado originalmente no blog Democracia e Socialismo em julho de 2019


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