Mostrando postagens com marcador PRODUTIVIDADE. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador PRODUTIVIDADE. Mostrar todas as postagens

abril 14, 2025

URGENTE: A RETOMADA DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (III)

       Sérgio Gonzaga de Oliveira (*)

No segundo artigo dessa série, postado em maio próximo passado, publiquei um diagnóstico tentando entender a estagnação da economia brasileira nos últimos 40 anos. Analisei sucessivamente as variáveis que têm potencial para explicar a dinâmica da economia capitalista no longo prazo: a acumulação de capital, a formação dos mercados, a dinâmica populacional e a produtividade. A principal conclusão dessa investigação é que existem limitações estruturais  graves no sistema produtivo brasileiro que impedem a continuidade de nosso desenvolvimento. Como essas variáveis são interdependes, em determinados cenários, algumas delas travam o crescimento das outras e o conjunto fica estacionado. Forma-se uma espécie de círculo vicioso. No máximo ocorre o que os economistas chamam de “vôo da galinha”. São pequenos períodos de expansão seguidos de recessão, mas no longo prazo e na média, o crescimento é próximo de zero. A grande incógnita dos dias atuais é como romper com essa estagnação.

Os caminhos disponíveis não são muitos. A retomada do desenvolvimento de longo prazo precisa cumprir algumas etapas iniciais antes de começar a se tornar realidade. A primeira delas, e provavelmente a mais importante, é a estruturação de um pacto político pelo desenvolvimento. A construção desse pacto deve dar origem a um conjunto de ações estratégicas que permita o alinhamento dos agentes econômicos, do Estado e da opinião pública com o mesmo objetivo: eliminar as deficiências estruturais que nos paralisam. Em seguida é necessária a implantação de uma estrutura de planejamento focada nesses objetivos e disseminada em todos os órgãos do Estado envolvidos com a retomada. Essa estrutura de planejamento deverá definir as ações que serão conduzidas pelo Estado, pela iniciativa privada ou em parcerias público privadas.

A história econômica tem mostrado que o desenvolvimento acelerado resulta de uma severa intervenção da sociedade no rumo dos acontecimentos.  É uma combinação da implantação de ações estratégicas de longo prazo com o sequenciamento de políticas econômicas adequadas para cada momento da conjuntura. Essas políticas de conjuntura devem tentar amortecer as flutuações que caracterizam o capitalismo, recuperar e manter a capacidade de investimento do Estado e absorver os choques internos e externos que tumultuam a economia. Não é uma tarefa fácil, mas, dependendo das escolhas, podem ajudar muito o desenvolvimento de longo prazo.

Como já ressaltado no artigo anterior, a recuperação da capacidade de investimento do Estado depende da redução de suas despesas correntes e, principalmente, da retomada do crescimento, que promova o aumento da receita pública. Se o processo for bem conduzido, forma-se um círculo virtuoso que acelera o desenvolvimento.

Os modelos de desenvolvimento

De forma bastante simplificada pode-se dizer que, desde a redemocratização até nossos dias, os economistas se dividem em duas correntes principais quando propõem a retomada do desenvolvimento: os que advogam a chamada “integração competitiva” e os denominados “desenvolvimentistas”. Os primeiros se caracterizam pela defesa de uma completa abertura no comércio exterior. Segundo esses, a abertura comercial leva a um aumento da produtividade na indústria de transformação e, em tese, as que sobrevivem ao embate com os produtores internacionais são beneficiadas pelos ventos modernizadores da competição, em um processo similar à “destruição criativa” de Schumpeter. Alegam também os defensores desse modelo que a modernização forçada pela abertura comercial irá se espraiar para outros setores da economia. Além disso, propõem uma completa desregulamentação, reduzindo a intervenção do Estado, na suposição de que a dinâmica da economia de mercado, associada à liberação comercial, será capaz de retomar e acelerar o crescimento econômico.

Os “desenvolvimentistas”, com algumas variações, se distinguem por uma política industrial ativa, onde o Estado escolhe setores estratégicos e por meio de subsídios, incentivos e proteções promove seu desenvolvimento. Os defensores desse modelo alegam que se os setores forem bem escolhidos haverá uma espécie de “arrastamento” em relação ao restante da economia. O “desenvolvimentismo” se caracteriza também pela adoção mais ou menos generalizada de barreiras e proteções contra a concorrência internacional. Além disso, propõem uma atitude ativa do Estado, intervindo em vários setores, inclusive com investimentos diretos ou empréstimos significativos.

Entretanto, a adoção de qualquer desses modelos, no Brasil atual, esbarra nas deficiências estruturais do sistema produtivo. E uma das mais importantes é a reduzida produtividade básica da economia. Como já foi analisada no artigo anterior, a produtividade básica é construída fora dos portões das fábricas e está relacionada a quatro áreas principais: (1) a existência de um ativo sistema nacional de tecnologia, (2) a amplitude da infraestrutura física (energia, transporte e comunicações), (3) a qualidade da infraestrutura social (educação, saúde, habitação, saneamento e mobilidade urbana) e (4) a eficiência do Estado. Não é preciso argumentar muito, nem lançar mão de exaustivos dados estatísticos, para se constatar que o Brasil está seriamente defasado em sua produtividade básica. Durante o ciclo de substituição de importações essas áreas deveriam ter se desenvolvido em conjunto com o crescimento econômico mas por diversas razões ficaram para trás. A oitava economia do mundo emergiu para a democracia com um atraso lamentável em pontos vitais para a continuidade do desenvolvimento. Uma das razões mais prováveis para o atraso foi o impacto desorganizador da explosão demográfica e da migração campo-cidade ocorrido durante todo esse período. Mas não foi só isso. Erros de estratégia foram cometidos e seus efeitos danosos são observados até hoje. Um exemplo bem conhecido é a radical opção rodoviária dos anos JK e seguintes. As ferrovias, cabotagem e transporte urbano sobre trilhos foram liquidadas. A educação é outro exemplo dramático. Sucessivos governos, com raras exceções, relegaram a educação a um segundo plano. Nos dois casos, como em vários outros, trilhamos um caminho completamente diferente da maioria dos países que se desenvolveram.

Diretrizes estratégicas de longo prazo

É necessário então que o aumento da produtividade básica da economia se transforme em uma importante diretriz estratégica e que resulte em ações de longo prazo para eliminar esses pontos de estrangulamento. Deve-se observar que, em quase todos os itens relacionados, a participação do capital privado é necessária e, na maior parte das vezes, essencial. Até porque os recursos financeiros do Estado serão sempre escassos. Vale a pena destacar também a importância da eficiência do Estado para os objetivos pretendidos. Um Estado ineficiente é o mesmo que nada.

De qualquer forma, a herança da produtividade básica muito baixa dificulta a escolha de qualquer modelo de desenvolvimento do tipo “integração competitiva” ou “desenvolvimentismo”. A adoção da “integração competitiva” poderia aniquilar completamente a indústria de transformação atual antes que a modernização pela competição tivesse qualquer efeito. Principalmente em confronto com produtores internacionais que têm em seus países produtividade básica muito mais elevada ou vantagens competitivas difíceis de superar no curto prazo. Quanto ao “desenvolvimentismo”, a reduzida produtividade básica nos condenaria a proteger eternamente o parque produtor. É muito oneroso para o Estado desenvolver qualquer setor, por mais promissor que seja, quando a produtividade da economia trabalha em sentido contrário. O debate em torno da adoção de qualquer desses modelos, ou de suas variantes, deveria ser precedido de um longo esforço nacional de planejamento e execução de ações que elevem a produtividade básica a um nível compatível com os nossos competidores internacionais.

Ainda assim, a competição internacional não é um assunto trivial. Em geral, os países desenvolvidos e muitos emergentes defendem a abertura dos mercados para setores em que seus produtos são mais competitivos e fecham suas fronteiras onde têm menor produtividade. Por essa razão, enquanto o esforço de elevação da produtividade estiver em andamento é conveniente tomar algumas medidas acauteladoras. A principal delas é proteger da melhor forma possível a indústria de transformação que sofre com a concorrência internacional, especialmente com condições internas muito desfavoráveis. Além disso, vale a pena promover o desenvolvimento de alguns setores que agem transversalmente, aumentando a produtividade de todos os outros. Entre esses estão as áreas de digitalização, integração de sistemas, automação e inteligência artificial.

Infelizmente, a fraca produtividade básica não é nosso único grande problema. Duas outras deficiências estruturais já discutidas no artigo anterior travam o desenvolvimento. Como requerem ações de longo prazo para sua superação, devem ser incluídas nas diretrizes estratégicas. A primeira é a péssima distribuição de renda. O Brasil encerrou o ciclo de substituição de importações com um mercado de consumo interno muito reduzido em relação ao número de seus habitantes. A maior parte da população não participa desse mercado, em grande medida devido à má distribuição da renda. Muitas das instituições e políticas públicas atuais deverão ser modificadas e outras implementadas com o objetivo de incorporar as populações marginalizadas ao sistema produtivo. O principal objetivo será a formação de uma extensa classe média que sustente um vigoroso mercado de consumo interno. Esse é o padrão observado nos países desenvolvidos. Não há como ignorar a má distribuição de renda num projeto de desenvolvimento. Não há como chegar ao mundo desenvolvido mantendo a vergonhosa marca de nono país mais desigual do planeta.

A segunda, mas não menos importante, é a preservação do meio ambiente. Na grande maioria dos bens e serviços produzidos pelos humanos a contribuição dos recursos naturais é essencial. A participação desses recursos na produção da riqueza é tão significativa que nas últimas décadas a possibilidade de esgotamento ou degradação de suas fontes e do ambiente natural tem se tornado uma perspectiva sombria para a humanidade. A preservação do meio ambiente e a utilização racional dos recursos naturais tornaram-se pontos vitais da agenda política de todos os países, inclusive dos emergentes.

Um pacto político pelo desenvolvimento

Em resumo, a elevação da produtividade básica, a distribuição da renda e a preservação do meio ambiente devem ocupar um lugar de destaque entre as diretrizes estratégicas. Devem resultar em ações coordenadas de longo prazo que modifiquem estruturalmente o sistema produtivo e rompam o círculo vicioso da estagnação de quatro décadas. Como são ações de longo prazo, é indispensável que sejam consolidadas em um pacto político que ultrapasse o período de quatro anos de renovação dos mandatos dos governantes. O ideal é que esse pacto pelo desenvolvimento seja subscrito pela maioria das forças políticas do país e permaneça no programa de atuação de qualquer partido ou coligação que venha a ser eleito para o Governo ou para o Congresso. Seria algo semelhante na forma, porém com conteúdo diferente, ao que ocorreu no Pacto de Moncloa, quando a Espanha organizou a transição para a democracia. Em Madrid, além dos partidos políticos, participaram do pacto as Centrais Sindicais e as Federações de Empresários.

Um projeto de desenvolvimento é essencialmente um projeto nacional. Quando um país cresce passa a ser concorrente direto dos já desenvolvidos e a sofrer restrições de toda ordem. Certamente, enfrentará dificuldades externas nos campos da economia, da tecnologia, da geopolítica e da cultura. Terá que abrir espaço, com habilidade, nas áreas comercial e diplomática e reforçar seus sistemas de defesa e segurança. Por essa razão, um pacto político pelo desenvolvimento, que consolide a unidade nacional, é essencial. Nesse sentido a polarização e fragmentação que caracterizam a política brasileira nas últimas décadas são extremamente danosas. São o cenário ideal para a continuidade da paralisação e estagnação.

Entretanto, apesar da importância da economia, o desenvolvimento não é só isso. Outras diretrizes visando o aperfeiçoamento das instituições democráticas, da universalização dos direitos humanos, da consolidação dos direitos civis e da ampliação das liberdades básicas deverão ser consideradas.  Quaisquer que sejam as diretrizes estratégicas escolhidas é necessário construí-las em torno de um projeto político que transforme o Brasil em um país desenvolvido, soberano, com justiça social e orgulhoso de seus ambientes naturais preservados.

Quando não existe um projeto de futuro, a política se amesquinha. Transforma-se numa mera luta pelo poder. Tudo perde sentido, o tecido social se esgarça, a ética se esvai. A corrupção, a violência, a ilegalidade e o oportunismo se transformam em métodos de ação política.

A verdade é que não existe solução fácil. Não existe “bala de prata”. O tsunami da explosão populacional, da migração campo-cidade e a herança oligárquico-escravagista do Brasil colônia deixaram suas marcas. Entretanto, não nos deixemos iludir pelas vozes pessimistas que tentam nos condenar ao atraso, insistindo que tudo deriva de nosso “complexo de vira lata”. Não é verdade. Em vários setores somos vencedores. A extração de petróleo em águas profundas, a produção e exportação de commodities, o desenvolvimento e fabricação de aeronaves são exemplos gritantes. Existem muitos outros. Não devemos perder a esperança em um futuro melhor. É perfeitamente possível vencer esse desafio. Certamente um proveitoso ciclo de entendimento político, diretrizes estratégicas bem delineadas, planejamento e investimentos estatais, participação ativa do capital privado e execução cuidadosa tirará o Brasil da situação lamentável em que se encontra.

__________________________________

(*) Sérgio Gonzaga de Oliveira é engenheiro pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e economista pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL).

Publicado originalmente no blog Democracia e Socialismo em julho de 2019


URGENTE: A RETOMADA DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (II)

 Sérgio Gonzaga de Oliveira (*)

No primeiro artigo dessa série, publicado em março próximo passado, destaquei a importância e a natureza política de um projeto de desenvolvimento para o Brasil. Pretendo agora tentar um diagnóstico que nos dê uma visão abrangente da estagnação da economia nos últimos 40 anos. Com essa intenção são analisadas sucessivamente a acumulação de capital, a formação dos mercados, a dinâmica populacional e a produtividade.

No período de 1930 a 1980 quando as taxas de crescimento superaram, em média, os 6% ao ano, uma das principais ações estratégicas para o desenvolvimento era a política de “substituição de importações”. Durante o “milagre econômico”, na década de 70, essa política foi radicalizada. Havia uma clara exigência de que tudo, ou quase tudo, fosse produzido internamente. Lembro que nessa época trabalhava no Projeto Carajás e a importação era muito difícil. Quando nossas avaliações indicavam que alguns equipamentos não podiam ser produzidos no Brasil, éramos obrigados pela legislação a fazer o que se chamava de "Lista Cacex", onde indicávamos tudo que pretendíamos importar. Esses documentos eram tornados públicos e as Federações das Indústrias, ou órgãos similares na época, concordavam ou não com a importação, indicando fabricantes nacionais nos itens que julgavam que pudessem ser produzidos no Brasil. Não se comprava nada no exterior sem a aprovação dos fabricantes locais. A Petrobrás nesse tempo desenvolvia um extenso programa de capacitação de fabricantes nacionais para suas encomendas.

No final dos anos 70 do século passado o ciclo de substituição de importações se esgotou. O Brasil emergiu para a democracia em meados dos anos 80 com um parque industrial bastante diversificado. Os penosos ciclos de monocultura agrícola tinham, em grande parte, ficado para trás. No entanto, esse extenso período foi marcado por longos anos de ditadura, desrespeito aos direitos humanos, forte concentração de renda e agressões ao meio ambiente.  

 A acumulação de capital

Mas o ciclo de substituição de exportações não foi só isso. Além das rigorosas barreiras à importação, foram atraídos capitais estrangeiros que se instalaram no Brasil sob forte proteção alfandegária e subsídios de toda a ordem. Paralelamente o Estado investiu pesadamente em indústrias de base (siderurgia, química, petróleo e outros) e infraestrutura física (energia e transporte, principalmente), tendo em vista que os capitais privados eram escassos ou não se dispunham a arriscar em projetos de tão longo prazo. Certamente esses investimentos públicos foram tão importantes para esse ciclo de desenvolvimento quanto a política de substituição de importações.  Nesse período, a acumulação de capital pelo Estado não provinha somente da diferença positiva entre as receitas e despesas resultantes de suas atividades correntes. Os capitais estatais, na falta de superávits fiscais significativos, foram obtidos por um misto de emissão de moeda, aumento da dívida pública ou elevação de impostos.

A má notícia para o período atual é que essas fontes extras de recursos estatais parecem esgotadas. Após a hiperinflação do final dos anos 80 e início dos 90 é praticamente impossível, do ponto de vista político, contar com emissão significativa de moeda devido ao risco de retorno da inflação. O endividamento público parece também ter chegado próximo ao limite máximo. Em um país cronicamente instável é preciso conter essa dívida em níveis razoáveis para evitar mais instabilidade futura. O total de impostos, por outro lado, está bem próximo da média dos países da OCDE e a opinião pública tem reagido fortemente à sua elevação.

Com essas restrições, o retorno da capacidade de investimento do Estado brasileiro dependerá da redução das despesas correntes do governo e, principalmente, da retomada do crescimento, que promova o aumento da receita pública. Numa primeira etapa, tudo indica que as fontes possíveis de acumulação de capital e investimentos produtivos estejam no setor privado.

A formação dos mercados: produção e consumo

A grande exceção ao padrão geral de estagnação, observado nas últimas quatro décadas, têm sido as atividades de produção e exportação de commodities agrícolas e minerais. Mesmo com a instabilidade crônica e a falta de perspectivas para o futuro, as exportações de commodities saltaram de 17 para 140 bilhões de dólares nas últimas duas décadas. Enquanto isso, os demais produtos exportados evoluíram de 35 para 99 bilhões, num aumento bem mais modesto (Comex Stat / Ministério da Economia). Esse “milagre” se deve à elevada produtividade obtida por esses setores em comparação com seus competidores internacionais. Na área agrícola e florestal, as condições muito favoráveis do solo e do clima brasileiro, associado às tecnologias desenvolvidas pela Embrapa, são em grande parte responsáveis por essa alta produtividade. Na área mineral e de petróleo não é diferente. Na extração de petróleo a tecnologia da Petrobrás para águas profundas é dominante. Naturalmente, o crescimento do consumo nos países emergentes, principalmente asiáticos, é a outra ponta desse sucesso. As cadeias produtivas das commodities envolvem máquinas, equipamentos, fertilizantes, indústrias de processamento, laboratórios, instrumentos, desenvolvimento genético e tecnológico, pesquisas, serviços financeiros e muitos outros. Tratar a exportação de commodities no Brasil atual como uma atividade “primária” e compará-la com os ciclos de monocultura do período pré-industrial, onde os produtos agrícolas eram obtidos com baixa tecnologia e mão de obra escrava ou semiescrava, parece pouco convincente. Principalmente porque a produção de commodities no Brasil é muito diversificada. São cadeias produtivas que não ficam nada a dever em termos tecnológicos e gerenciais a uma boa parte da indústria de transformação. É um setor muito dinâmico, com alta capacidade de acumulação de capital e fonte de estabilização das contas externas. Merece toda atenção em qualquer planejamento de desenvolvimento de longo prazo.

Já do ponto de vista da formação do mercado de consumo interno o Brasil tem uma grande limitação. Estudos comparativos entre países de desenvolvimento recente mostram que uma melhor distribuição de renda no início do processo favoreceu os emergentes de maior sucesso. O livro “A Ascensão do Resto”, publicado no Brasil pela Editora da UNESP e de autoria da professora Alice H. Amsden do Massachusetts Institute of Technology (MIT), tem uma boa contribuição nessa direção. Nesse ponto a herança oligárquico-escravagista do Brasil colônia, com um histórico de concentração de renda muito elevado, certamente pesou negativamente. De qualquer forma, o Brasil possui ainda hoje uma das piores distribuições de renda do planeta. É o nono país mais desigual do mundo segundo avaliação recente da ONU em um total de 108 nações. É desanimador constatar que a oitava economia do planeta esteja tão atrasada nesse quesito. O Brasil possui grande número de instituições e políticas públicas que operam no sentido da concentração de renda. O mais conhecido é o sistema de impostos, altamente regressivo, onde os mais pobres pagam mais impostos. Mas não é só isso. Muitas outras políticas públicas agravam e eternizam a distância entre pobres e ricos. Além do mais, não devemos esquecer que uma boa distribuição de renda é o melhor caminho para a formação de um forte mercado de consumo interno.

Ainda sobre a formação dos mercados, existe uma séria ameaça ao sistema produtivo que tem sido negligenciada sucessivamente pela sociedade e governos brasileiros. Trata-se da preservação do meio ambiente. No caso da Amazônia os números são alarmantes. Nessas últimas cinco décadas nada menos que 20% da floresta nativa foi destruído (BBC/WWF/2018). Estudos recentes sugerem que a destruição dessa floresta poderá afetar seriamente o clima do centro oeste e do sudeste brasileiro, atingindo mortalmente a agricultura em uma das áreas mais dinâmicas da economia (ARA/INPE/INPA/2014). Embora os estudos não sejam conclusivos a simples hipótese é muito preocupante. Vários outros pontos relacionados ao meio ambiente devem ser cuidadosamente observados no planejamento para o desenvolvimento. Os prejuízos pela negligência podem ser elevados, como se observa no caso das barragens das mineradoras, especialmente em Minas Gerais.

A dinâmica demográfica

No passado recente, o Brasil conviveu com uma expansão populacional significativa. Segundo os censos decenais e projeções do IBGE, entre os anos de 1950 e 2017o país passou de uma população de 51,9 milhões de habitantes para 207,6 milhões, num crescimento de cerca de 4 vezes. Apenas para efeito de comparação, num período equivalente a Coréia do Sul teve um aumento populacional de 2,4 vezes, revelando uma expansão demográfica bem mais modesta (United Nations Data).

A explosão populacional nesse período não foi um fenômeno demográfico único. Foi acompanhada por uma intensa migração do campo para as cidades. Em 1950 a população urbana brasileira era de cerca de 36% do total. A grande maioria morava no campo. No espaço de 60 anos a situação se inverteu e a população das cidades passou para 84% do total (IBGE).

Esse duplo fenômeno provocou uma imensa oferta de força de trabalho nas cidades brasileiras, quase que simultaneamente ao desenvolvimento industrial conduzido pela política de substituição de importações e pesados investimentos estatais. Como era de se esperar os salários foram bastante rebaixados. Marx diria que se formou nas cidades brasileiras um gigantesco “exército industrial de reserva” que, dada a sua amplitude, promoveu uma elevada concentração de riqueza nas mãos das elites e um forte empobrecimento nas camadas populares. Tinha-se instalado o caldo de cultura para a continuidade da péssima distribuição de renda que herdamos do ciclo oligárquico-escravagista do Brasil colônia.

Entretanto, esses dois movimentos populacionais estão chegando ao fim. As projeções do IBGE indicam que em duas décadas a população se estabilizará. O grande desafio para um projeto de desenvolvimento inclusivo, daqui em diante, é incorporar à cidadania e ao sistema produtivo essas populações marginalizadas. Cabe lembrar que outro movimento importante surgiu no rastro da estabilização demográfica: o envelhecimento da população que cria pressões adicionais na saúde e na previdência social. A compensação dessas pressões deverá ser obtida pelo aumento da produtividade dos trabalhadores na ativa e não pela redução do valor das atuais aposentadorias, principalmente dos mais vulneráveis que na maioria das vezes fica aquém da sobrevivência.

Os desafios da produtividade

A persistente estagnação de longo prazo da produtividade na economia brasileira tem preocupado muito os economistas. A produtividade não é um fenômeno simples. Abrange pelo menos duas dimensões intimamente relacionadas: a produtividade interna às unidades de produção e aquela que poderíamos denominar de produtividade básica da economia. A produtividade interna está associada à tecnologia e às praticas gerenciais adotadas por cada fabricante. Já a produtividade básica é formada, em grande medida, por fatores externos aos produtores. Na sua face mais visível, depende da existência de um sistema nacional de tecnologia, organizado para apoiar ativamente o setor produtivo na incorporação de inovações tecnológicas e gerenciais. Nesse ponto o Brasil deixa muito a desejar. Tradicionalmente, os investimentos em tecnologia são baixos e a industrialização brasileira não saiu da primeira fase, onde as novas tecnologias são sistematicamente importadas.

Mas não é só isso. A produtividade básica depende muito do estágio em que se encontra a infraestrutura física (energia, comunicações e transportes) que age transversalmente, elevando a produtividade de todos os setores. Nesse aspecto o Brasil está muito aquém de suas necessidades. A energia é cara, as comunicações são precárias e o transporte de cargas é majoritariamente rodoviário.

Mais significativa ainda é a péssima situação da infraestrutura social (educação, saúde, habitação, saneamento e mobilidade urbana). Com educação de baixa qualidade, saúde precária, morando em condições sub-humanas, num ambiente insalubre e perdendo longas horas no percurso casa-trabalho, o trabalhador médio brasileiro é um herói anônimo. É inacreditável que consiga produzir alguma coisa. Alta produtividade, nem pensar.

Por fim, mas não menos importante, a eficiência do Estado afeta muito a produtividade básica. Nesse ponto, o Brasil fica muito mal na foto. O Estado brasileiro é burocrático, lento e confuso na condução dos assuntos de sua responsabilidade. Um exemplo escandaloso é a lentidão da justiça. Os processos judiciais demandam muito tempo e energia das empresas e cidadãos. O confuso e burocrático sistema de impostos é também outro fator de baixo rendimento.

A rigor esta análise deveria incluir outros aspectos da realidade atual, mas para não alongar muito o texto, fico por aqui. Acredito que esses sejam os pontos mais relevantes. E com base neste diagnóstico, bastante simplificado é verdade, pretendo no terceiro e último artigo dessa série encaminhar algumas sugestões de diretrizes estratégicas que nos ajudem a construir um projeto político de desenvolvimento de longo prazo.

____________________________

(*) Sérgio Gonzaga de Oliveira é engenheiro pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e economista pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL)

Publicado originalmente no blog Democracia e Socialismo em maio de 2019

POSTAGEM EM DESTAQUE

UMA FESTA PARA POUCOS: POLÍTICA MONETÁRIA NO BRASIL

Sérgio Gonzaga de Oliveira (*) A comparação internacional, principalmente em relação aos países desenvolvidos, mostra que a economia brasile...