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maio 01, 2025

UMA FESTA PARA POUCOS: POLÍTICA MONETÁRIA NO BRASIL

Sérgio Gonzaga de Oliveira (*)

A comparação internacional, principalmente em relação aos países desenvolvidos, mostra que a economia brasileira tem um estranho comportamento em relação à inflação. A elevação dos juros básicos (Selic) pela autoridade monetária tem um efeito muito limitado no combate à inflação. Em outras palavras, é preciso aumentar muito a taxa Selic para que ela contenha a escalada dos preços. Nos países desenvolvidos, ao contrário, pequenas elevações dos juros básicos seguram a inflação em níveis civilizados. Tudo indica que a economia brasileira é viciada em juros altos. Esse desastre para as contas públicas é uma festa para o mercado financeiro, especialmente os rentistas, que pressionam o governo por cortes nas despesas essenciais para compensar o estrago causado pelos juros altos. Certamente, esse estranho comportamento tem causas que precisam ser investigadas. 

Nas décadas de 70, 80 e 90 do século passado houve um expressivo crescimento e diversificação das atividades financeiras em todas as economias onde o capitalismo se instalou. Os números compilados e publicados pelo McKinsey Global Institute mostram que no final da década de 1970 ativos financeiros e PIB eram aproximadamente equivalentes. Três décadas depois os ativos financeiros superavam o PIB global em três vezes, indicando claramente que o sistema financeiro se tornou um ator significativo nos rumos do capitalismo atual (1). 

Uma das principais consequências dessa transformação foi a redução drástica da capacidade dos governos de controlar a quantidade de meios de pagamento em circulação na economia. A moeda escritural, representada especialmente pelos depósitos bancários e títulos negociados em mercados secundários tornaram o sistema bancário o principal emissor de meios de pagamento. Daí em diante a oferta de moeda passou a se ajustar à demanda ou, como dizem os economistas, a quantidade de meios de pagamento em circulação se tornou endogenamente determinada. 

Com a perda da exclusividade de emissão de moeda, os Bancos Centrais passaram a priorizar o controle da inflação pelo ajuste dos juros básicos. O aumento dos juros básicos, via diversos mecanismos de transmissão, reduz a atividade da economia real, contendo as disputas entre lucros e salários pela renda nacional, o que tende a reduzir o impulso inflacionário. Uma explicação mais detalhada desse processo pode ser encontrada em meu artigo “Moeda, Inflação e Juros: o Labirinto do Capital”, publicado em julho de 2023 (2). 

A política monetária no Brasil 

O Banco Central do Brasil foi criado em dezembro de 1964 e ao longo dos anos seguintes assumiu progressivamente as funções de autoridade monetária. Sua principal atribuição tem sido preservar a estabilidade da moeda. Para isso define e implanta na economia a taxa básica de juros (Selic). Adicionalmente, em junho de 1999 foi adotado o regime de metas de inflação com valores estabelecidos pelo Conselho Monetário Nacional. No início a meta foi fixada em 8% com tolerância de +/-2,0% ao ano e após alguma oscilação foi reduzida em 2005 para 4,5% +/-2,0%, permanecendo nesse nível por um longo período de 12 anos. A partir de 2017, houve um expressivo processo de redução na meta de inflação de tal forma que em 2024 atingiu 3,0% +/- 1,5%. (Tabela I do Anexo) (3). 

Essa severa redução a partir de 2017 chama a atenção, já que foi realizada em plena crise iniciada no final de 2014. Tudo indica que o Conselho Monetário Nacional, por razões não muito bem explicadas, no governo Temer, forçou um combate à inflação mais rígido justamente quando as condições eram muito difíceis. Viveu-se um período de crise econômica associada a pressões inflacionárias provocadas pelo aumento rápido da demanda e escassez de oferta na saída da pandemia. E, também, pelo aumento do custo do petróleo no início da guerra da Ucrânia. A redução da meta obrigou o Banco Central a elevar ainda mais os juros básicos para atingir objetivos mais rígidos. Parece um contrassenso. No mínimo poderia ter sido aguardado um momento menos turbulento para se reduzir a meta inflacionária. Essa estranha falta de cuidado dá margem a supor que os membros do Conselho Monetário, naquele período, estavam mais interessados em aumentar o rendimento dos rentistas do que manter a inflação sob controle. 

Apesar disso, nos últimos 25 anos, o regime de metas de inflação pôde ser seguido pela autoridade monetária. Apenas em 6 anos a tolerância máxima não foi cumprida (Tabela II do Anexo) (3). O resultado parece bem promissor já que o Brasil tem uma economia reconhecidamente instável. Entretanto esses números são enganadores. O cumprimento da meta de inflação se deu às custas de uma taxa de juros muito elevada, principalmente quando comparada aos países desenvolvidos.

Política monetária nos EUA, na Zona do Euro e no Brasil 

O quadro a seguir mostra as médias de juros básicos, níveis de inflação e juros reais para os EUA, Zona do Euro e Brasil no período de 25 anos, transcorridos entre 1999 e 2023.

 

Média dos Juros básico anuais (%)

Média da Inflação anual (%)

Média dos Juros reais anuais (%)

EUA

2,05

2,55

-0,5

Zona do Euro

1,64

2,02

-0,38

Brasil

12,46

6,36

6,1

Fonte: Tabelas III, IV e V do Anexo (3)

A tabela acima é muito expressiva. A média dos juros básicos no Brasil, nesse longo período, é seis vezes maior que nos países desenvolvidos. Seis vezes é um verdadeiro absurdo. É como se o Banco Central do Brasil tivesse a mão muito pesada. Chega a ser inacreditável. Mas, apesar disso a inflação média ainda é três vezes superior. Ou seja, a política monetária no Brasil tem imensas dificuldades para combater a inflação. Mesmo com juros elevados a inflação tem sido muito alta. 

Chama atenção, ainda, os juros reais negativos dos desenvolvidos. Isto significa que a rolagem da dívida nesses países foi positiva para o Governo, ou seja, o Governo recebeu juros para manter a dívida. Em outras palavras os aplicadores em títulos públicos na Zona do Euro e nos EUA, nesse longo período, pagaram ao Governo para guardar o seu dinheiro. Enquanto isso no Brasil, o Governo pagou juros reais médios de 6,1% ao ano para manter sua dívida. A diferença é alarmante. 

A resposta usual à essa “ineficiência” da política monetária é o déficit público persistentemente alto, como repetem à exaustão a maioria dos jornalistas e economistas que cotidianamente se manifestam nos grandes veículos de comunicação. A consequência óbvia dessa pressão é um enorme esforço do governo para manter um superávit primário elevado, visando impedir que a dívida pública se torne explosiva. O governo se empenha desesperadamente para conter os gastos sociais e de investimentos. O resultado final tem sido um baixo crescimento e uma transferência de renda significativa dos mais necessitados para a elite rentista. Não à toa, o Brasil é um dos países com maior concentração de renda do planeta. E o pior é que esse esforço parece não ter fim. É um verdadeiro trabalho de Sísifo. Haddad e Galípolo que o digam. 

As diferenças gritantes entre o Brasil, EUA e Zona do Euro indicam que existem problemas estruturais na economia brasileira que bloqueiam a ação das autoridades monetárias e levam a necessidade de juros muito alto para conter a inflação. 

Componentes estruturais da inflação brasileira 

As taxas de juros no mercado privado no Brasil são exageradamente altas. A tabela a seguir mostra essas diferenças.  

Taxas de juros mais comuns

EUA                  (% ao ano)

Zona do Euro    (% ao ano)

Brasil             (% ao ano)

Empréstimos Pessoais

6,00

13,50

147,50

Cartão de Crédito

15,00

17,00

178,00

Empréstimo Imobiliário

6,69

3,50

11,29

Empréstimos para Empresa

7,50

4,35

27,80

Fontes na Tabela VI do Anexo (3)

Nos empréstimos pessoais, cartões de crédito ou capital de giro as diferenças são inacreditáveis. Mesmo no crédito com garantia hipotecária, como é o caso dos empréstimos habitacionais, os juros ainda são muito altos. Os juros elevados inibem a atividade econômica e reduzem o crescimento. Com pouco crédito os agentes produzem ou consomem menos. Essa fuga em relação às taxas de juros do mercado privado torna a atividade econômica pouco sensível à elevação da Selic pelo Banco Central. 

Muito provavelmente essa anomalia tem várias origens, sendo uma delas a concentração de mercado no setor financeiro. Poucos Bancos comerciais controlam a maioria das operações. Segundo o último Relatório de Economia Bancária do BCB, publicado em 06.06.2024, os quatro maiores bancos são responsáveis por 57,8% do crédito total. Como consequência, a lucratividade dos grandes bancos é bem alta em relação ao restante da economia.

Em razão dos altos juros do mercado privado, os agentes econômicos procuram empréstimos com juros reduzidos e regulados pelo governo. É o caso, por exemplo, do Plano Safra e dos empréstimos de longo prazo, via BNDES. Nesses casos as fontes de recursos vêm diretamente do orçamento federal ou de fundos públicos como FGTS e o FAT, o que permite a redução dos juros. Não são poucos os programas de financiamento deste tipo patrocinados pelos governos em todos os níveis. Outra saída para fugir dos altos juros tem sido a operação com capital próprio, ações no mercado de capitais ou empréstimos externos. As pequenas e médias empresas não têm, em geral, essas alternativas. Da mesma forma, essas taxas de juros e fontes de financiamento são pouco ou nada influenciadas pelo aumento dos juros básicos do Banco Central. 

Leticia Magalhães e Gilberto Borça Jr em pesquisa recente para o BNDES escreveram: “O BNDES ainda é, de longe, a maior fonte de funding de longo prazo para projetos de investimentos no Brasil. Algo como 45% das operações de financiamento a vencer acima de cinco anos estão na carteira de crédito do Banco. Ao se adicionarem os outros dois grandes bancos oficiais nessa estatística – Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal – chega-se a 82,7% da carteira de crédito da economia com prazo de vencimento acima de cinco anos.” (4) 

Como se viu as taxas de juros nos empréstimos livres são muito altas e os recursos públicos para empréstimos regulados são escassos. Nessas condições, a participação do crédito no total da atividade econômica é muito baixa. Segundo o Banco Mundial o crédito interno para o setor privado no Brasil totalizou 71,6% do PIB em 2023. Nos EUA é de 192,5%, na OCDE é 143,2% e na média dos países de renda média 132,6%. A baixa participação do crédito no conjunto da economia inibe muito a ação do Banco Central. 

Outra característica da economia brasileira é a alta informalidade. Segundo o IBGE, no trimestre encerrado em setembro de 2024, 38,8% da força de trabalho no Brasil era informal (5). Por comparação, nas economias desenvolvidas este número raramente atinge 10%. Evidentemente essa parte da economia não participa ou participa muito pouco do mercado de crédito, não sendo atingida pelos mecanismos tradicionais de combate à inflação. 

Vale lembrar, ainda, que o Brasil viveu, antes do Plano Real, longos períodos de inflação elevada. Nessa época, ao invés de se adotar medidas anti-inflacionárias tomou-se um caminho supostamente mais fácil. Criou-se a correção monetária como forma de atualizar ativos ou dívidas. Essa atitude gerou uma verdadeira cultura de leniência em relação à inflação, já que os recebimentos futuros resgatariam parte das perdas com a inflação passada. Essa prática, disseminada em toda a economia, cria uma espécie de inércia inflacionária que dificulta muito o trabalho do Banco Central. Funciona como se houvesse um piso para a inflação que se transfere do passado para o futuro. 

Além disso, a excessiva liberdade cambial em um mercado pequeno, quando comparado aos desenvolvidos, torna a taxa de câmbio muito instável. Os produtores e comerciantes que têm insumos cotados em moeda estrangeira embutem nos preços folgas para fazer frente a esses acréscimos inesperados. Em fases de alta oscilação, esse comportamento alimenta a inflação e independe em boa medida da ação do Banco Central. A imprevisibilidade da oscilação do câmbio faz com que os comerciantes e produtores introduzam margens de lucro maiores na remarcação dos preços, principalmente nos mercados menos competitivos. 

Em qualquer economia a instabilidade política é uma fonte de incertezas para os agentes econômicos. Consumidores, produtores e investidores se retraem ou adotam atitudes defensivas. No Brasil não é diferente. A falência do presidencialismo de coalisão nas últimas décadas levou a uma transferência de poder do Executivo para o Legislativo criando uma extensa zona de sombra no comando das políticas públicas no Brasil. Essa indefinição acarretou também uma intensa judicialização das ações dos dois poderes, fazendo com que o Judiciário assumisse um protagonismo inesperado. Nunca se sabe o que vai resultar do comportamento caótico de poderes públicos repletos de indefinições quanto às suas competências e atribuições. Da mesma forma, essa instabilidade se reflete na conduta dos agentes em relação à inflação. 

A rigidez do orçamento público é outra fonte de incerteza, já que retira do governo a flexibilidade para enfrentar as oscilações características da economia de mercado. Existem muitas regras que tornam os gastos do Estado brasileiro mais rígidos do que em outros países. Muitas despesas são indexadas e crescem por conta própria sem se importar com o crescimento da receita. Proliferam pisos, percentuais fixos, reajustes automáticos, tetos, gatilhos e outros indexadores que fazem da tarefa de preparar e aprovar o orçamento uma verdadeira maratona, com despesas obrigatórias cada vez maiores. De outro lado, os gastos discricionários, que são alocados em função do programa do governo, são cada vez menores. Além disso os programas já implementados não são avaliados periodicamente. Não se verifica se atendem necessidades reais da comunidade ou se seu custo-benefício se justifica. Uma vez estabelecido o programa se torna permanente, independentemente de seus resultados. 

A rigidez orçamentária, em tempos de recessão, pode levar a déficits públicos persistentes que aumentam a dívida. Quando os déficits são majoritariamente provocados por despesas correntes criam expectativas negativas em relação à capacidade futura do governo de honrar a dívida. Diante dessa incerteza, os agentes econômicos tendem a se tornar mais cautelosos em relação à economia, com reflexos no reajustamento dos preços.

Todas essas deformações estruturais agem em conjunto, tornando quase impossível a ação das autoridades monetárias. Muitas dessas patologias têm sido objeto de discussões específicas na imprensa, nos Centros de Pesquisa e nas Universidades. Pouco tem sido feito para eliminá-las. 

Insensatez liberal ou oportunismo rentista? 

Em resumo, os fatos e dados mostram que uma parte substancial da economia brasileira é muito pouco sensível ao aumento da Selic como forma de conter a inflação. Por conta disso o combate possível é realizado com taxas de juros básicas excepcionalmente altas que pressionam a dívida pública. Como se isso não bastasse, numa atitude insensata, nos anos recentes, a meta de inflação foi fortemente reduzida. Provavelmente ignorando as deformações estruturais que mantém a inflação em um patamar elevado.  

Carlos Luque, professor da FEA/USP e presidente da Fipe, juntamente com outros pesquisadores, em artigo no Valor Econômico, relatou uma recente apresentação de Olivier Blanchard, ex economista-chefe do FMI, ao Parlamento inglês (6). Nessa ocasião Blanchard, entre outras medidas, sugeriu que, em condições críticas de combate à inflação, houvesse um aumento das metas inflacionárias enquanto medidas de mais longo prazo ajustassem a economia. Essa recomendação pode ser aplicada ao Brasil, no sentido de retomar ao padrão de meta de inflação vigente até 2017 (4,5% +/-2,0%), enquanto um plano de mais longo prazo corrige as anomalias estruturais que fazem do Brasil um campeão mundial de juros altos e um paraíso para os rentistas. Continuar favorecendo os rentistas, com uma trajetória explosiva para a dívida pública e cortes expressivos em despesas públicas essenciais, é um verdadeiro suicídio político, econômico e social. 

Referências: 

(1) Roxburgh, Charles et al, Global Capital Markets: entering a new era, McKinsey Global Institute, 2009. 

(2) Oliveira, Sergio Gonzaga, Moeda, Inflação e Juros: o Labirinto do Capital, A Terra é Redonda, julho de 2023. 

(3) Para não sobrecarregar o texto deste artigo, o conjunto de dados primários utilizados e suas fontes foram reunidos em um Anexo no blog Democracia e Desenvolvimento que pode ser consultado a qualquer momento pelo link:

https://democraciaedesenvolvimentoblog.blogspot.com/2025/04/anexo-ao-artigo-uma-festa-para-poucos.html

Mantive no texto apenas os dados essenciais à compreensão da análise realizada e de suas conclusões. 

(4) Leticia Magalhães e Gilberto Borça Jr, Financiamento amplo às empresas: crédito bancário, mercado de capitais e setor externo, BNDES, 24/05/2019 

(5) Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, PNAD Contínua 2024, 29 de novembro de 2024. 

(6) Luque, Carlos et al, As Consequências dos Juros Altos, Valor Econômico, edição de 19 de fevereiro de 2025. 

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(*) Sergio Gonzaga de Oliveira é engenheiro pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e economista pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Editor do blog Democracia e Desenvolvimento

abril 26, 2025

CRÔNICA DE UMA FALHA ANUNCIADA: O CONTROLE DO PIX

 Sergio Gonzaga de Oliveira (*)

A recente disputa política gerada pela inclusão do Pix entre as modalidades de meios de pagamento fiscalizados pela Receita Federal ainda merece nossa atenção. As evidências indicam que o cancelamento da instrução normativa 2219/24 e emissão da Medida Provisória que equiparou o Pix à moeda corrente não eliminaram as causas institucionais e estruturais que deram origem a esse episódio. 

Na verdade, o pretendido controle do Pix ameaçou diretamente os agentes econômicos mais vulneráveis da economia brasileira. Que não são poucos. Segundo o IBGE, no final de 2024, mais de 40 milhões de pessoas eram informais (1). Do ponto de vista institucional foi um erro grave. Os organismos de Estado, como a Receita Federal, não podem desconhecer essa imensa multidão de trabalhadores autônomos, pequenos e microempresários que vivem e ganham seu sustento com dificuldade, na periferia do sistema. Além disso, os informais são um produto do subdesenvolvimento que ainda se mantém em grande parte da sociedade brasileira. Sem enfrentar de vez esse atraso, as dificuldades dessa natureza serão sempre recorrentes. 

Desde sua criação, as transações com o Pix foram muito bem aceitas e festejadas pela maioria da população brasileira na medida em que simplificaram bastante as movimentações financeiras. Mais do que isso, o Pix aumentou muito a segurança dessas transações. Lembro-me perfeitamente de pessoas de baixa renda que transportavam pequenas quantias em dinheiro escondidas no sapato para fugir de eventuais assaltantes. A chegada do Pix acabou com essa e outras dificuldades. Os trabalhadores autônomos, pequenos e microempresários comemoraram. Afinal, os cheques não eram muito confiáveis e nem todos os seus clientes possuíam cartões bancários. Não havia Fintechs com contas correntes isentas de taxas. Ter uma conta corrente em um banco tradicional custava caro em taxas e contrapartidas. Nem todos os pequenos produtores, comerciantes, trabalhadores autônomos e seus clientes podiam se dar a esse luxo. 

Não à toa, a invenção do Pix foi um sucesso extraordinário. Em pouco mais de quatro anos, o Pix se tornou o principal meio de pagamento no Brasil, sendo usado por 76,4% da população. Superou o cartão de débito (69,1%), o dinheiro (68,9%) e o cartão de crédito (51,6%) (2). A invenção do Pix e a chegada das Fintechs provocaram ainda um aumento significativo no número de clientes bancários. Segundo o Banco Central, entre 2018 e 2023, este número saltou de 77,2 milhões para 152,0 milhões de pessoas físicas (3). 

Entretanto, a criação do Pix foi, também, muito bem recebida pelo crime organizado, pela corrupção e contraventores em geral, já que passaram a dispor de um meio de pagamento bem mais prático e livre de controle e fiscalização. Muito mais funcional do que as tradicionais malas de dinheiro transportadas com dificuldade e risco.

A Receita Federal tentou eliminar esse subproduto indesejável da invenção do Pix, editando a referida instrução normativa. Na prática, cancelou a equiparação do Pix à moeda corrente, estabelecendo que os movimentos mensais acima de 5 mil reais para pessoas físicas e 15 mil reais para pessoas jurídicas deviam ser informadas ao Fisco. Incluiu nessa instrução as novas Fintechs e suas contas gratuitas. Com isso, a Receita estava fechando as portas para os sonegadores de impostos, mas, principalmente, estava dificultando a vida dos contraventores de qualquer espécie. Entretanto, cometeu um erro grave: ameaçou os mais vulneráveis. 

O universo de pequenos e microempresários e trabalhadores autônomos é bastante diversificado. Muitos são formalizados pelo Simples e pelo MEI. Nesses regimes, os impostos são bastante reduzidos. Mesmo assim, para muitos deles, os impostos ainda são elevados. São pequenos produtores caseiros, vendedores ambulantes ou técnicos de informática que atendem em domicílio ou escritórios de empresas. Mas, também, são entregadores, costureiras, cabeleireiras, manicures, diaristas e profissionais de pequenos reparos, com baixa qualificação. Todos eles evitavam emitir notas fiscais e procuravam receber suas vendas em dinheiro vivo com todos os riscos e dificuldades que essa opção acarretava. O Pix naturalmente veio em seu auxílio. 

Para alguns, como entregadores e motoristas de aplicativos, o mercado onde atuam é um oligopsônio, constituído por poucos tomadores de serviços. Uber, 99 e IFood são os mais conhecidos. Nessas condições, o valor de seu trabalho é estabelecido pelo contratante em um mercado bem restrito o que pode, muitas vezes, conduzir à exploração do trabalho. Esses pequenos empresários e trabalhadores, na maioria das vezes, mal se sustentam com suas atividades. Evidentemente, grande parte não paga impostos. Nem poderiam. Não têm de onde tirar.

A Receita Federal, para estabelecer o teto de 5 mil reais deve ter levado em consideração que 80% dos clientes das Fintechs têm renda de até 5 mil reais (4). Entretanto, esse valor é muito baixo. A movimentação financeira desses pequenos agentes econômicos ilude muito. Principalmente se considerarmos que nesse valor estão incluídos os gastos totais e não apenas a remuneração de seu trabalho. Um exemplo típico é uma microempresária que fabrica e vende doces e bolos, trabalhando em casa. Em seus recebimentos estão incluídos todos os ingredientes, energia e desgaste dos utensílios e equipamentos utilizados. Prestadores de serviços em domicílio, como bombeiros e eletricistas, bem como moto entregadores e motoristas de táxi estão na mesma situação. Peças de reposição, combustível, desgaste e manutenção de suas motos e carros consomem a maior parte de seus rendimentos. É preciso lembrar ainda que uma parte dessa multidão de informais não tem controle contábil de sua atividade. Na verdade, não sabem ao certo quanto faturam ou recebem ao final do mês e muito menos qual a parcela de seus rendimentos são custos e qual é o seu saldo disponível.

Por tudo isso, a insegurança se instalou. Uma boa parte da população brasileira se sentiu ameaçada pela instrução normativa da Receita e imaginou que outros apertos poderiam ser anunciados no futuro. Não sem razão, no imaginário popular, o Leão é muito voraz, principalmente com as rendas baixas e médias. No Brasil, os de menor renda pagam mais impostos proporcionalmente do que os mais ricos. O sistema de impostos é essencialmente concentrador. 

A reação foi gigantesca e foi aproveitada pela extrema direita para sair da defensiva em que se encontrava desde a revelação do plano de golpe de Estado, detalhado pela Polícia Federal. O vídeo de um deputado da oposição explorou essa insegurança, atingindo 300 milhões de visualizações no Instagram em poucos dias. Obviamente, o vídeo foi editado em tom catastrófico com muitas fake news e meias verdades. Certamente a grande repercussão do vídeo não foi devida somente à sua capacidade de comunicação nas novas mídias. A insegurança e insatisfação dos mais vulneráveis tiveram um papel preponderante. Com a repercussão negativa, o Governo Federal corretamente cancelou a instrução normativa da Receita e determinou que o movimento financeiro com Pix em qualquer valor se equiparasse à moeda corrente. 

Entretanto, essa medida saneadora não tem a capacidade de corrigir algumas características que marcam a sociedade brasileira desde muito tempo. A informalidade obviamente não é culpa dos informais. Tanto é que uma recente pesquisa da FGV/IBRE mostrou que quase 70% dos trabalhadores autônomos gostariam de ter um emprego com carteira assinada (5). A Receita Federal precisa achar formas criativas de dificultar a vida dos grandes sonegadores e contraventores sem atingir os pequenos informais. Precisa ter consciência que opera em um país de desigualdades extremas.

Além disso, como já foi dito, a alta informalidade é um problema estrutural da economia brasileira. A informalidade resulta, em grande parte, do estágio de subdesenvolvimento em que vivemos. Ainda segundo o IBGE, no trimestre encerrado em setembro de 2024, 38,8% da força de trabalho no Brasil era informal (1). Por comparação, nas economias desenvolvidas, este número raramente atinge 10%. Entretanto, a superação do subdesenvolvimento não é uma tarefa fácil. Exige planejamento e execução de ações de longo prazo. É necessário que as forças progressistas e democráticas encontrem uma forma de colocar esse projeto em sua pauta.  De criar e expectativa concreta de que um dia chegaremos ao estado de bem-estar social.

Referências:

(1) Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, PNAD Contínua 2024, 29 de novembro de 2024.

(2) Banco Central do Brasil, O Brasileiro e sua Relação com o Dinheiro, Pesquisa de 28/05 a 01/07/2024.

(3) Banco Central do Brasil, Relatório de Economia Bancária, 2023.

(4) Globo Economia, Pix e fintechs incluíram 60 milhões em serviços bancários em uma década, 20.01.2025.

(5) Campelo, Aloisio et al, Trabalhadores autônomos: quem são e o que pensam, IBRE / FGV, 01.07 2024

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(*) Sergio Gonzaga de Oliveira é engenheiro pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e economista pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL).

Publicado originalmente pelo site Terapia Política em fevereiro de 2025

A MALDIÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS

 Sergio Gonzaga de Oliveira (*)

1.

Contam os antigos que Midas, rei da Frígia, atual Anatólia na Turquia, se preocupava muito com a difícil situação dos pobres de seu reino. Dedicava grande parte do tempo e do ouro que dispunha para diminuir o sofrimento dessas pessoas. As ações de Midas eram tão recorrentes e apreciadas por seus súditos que sua fama logo ultrapassou as fronteiras do reino, chegando aos ouvidos dos deuses do Olimpo. Um dia, Midas rogou à Baco, deus do vinho, que lhe ajudasse na luta contra a pobreza. 

Em atenção às suas boas intenções, Baco lhe concedeu um único pedido. Midas, sem pensar, disse-lhe que gostaria de transformar em ouro tudo aquilo que tocasse, certo de que o ouro produzido resolveria todos os problemas de seu reino. Pedido aceito, Midas retornou para casa. Os primeiros momentos foram de muita euforia. Midas transformou variados objetos em artefatos de ouro. Vasos, móveis, talheres e até plantas reluziam com o toque do rei. Pouco mais tarde soou a hora do jantar. Na mesa descobriu horrorizado que todos os alimentos que tocava transformavam-se em ouro. Não havia como se alimentar. 

Em completo desespero, sua filha correu para ajudá-lo. Quando tocou no pai, transformou-se em uma estátua de ouro. Midas entendeu que, ao invés de uma benção, tinha obtido uma maldição. Desesperado clamou novamente pela ajuda de Baco. O deus generoso lhe disse que a magia seria desfeita quando Midas se banhasse no rio próximo ao castelo. As águas do rio levariam para longe a maldição do ouro. Não se sabe ao certo se por conta da lenda, ou por obra de formações geológicas milenares, durante muito tempo, as areias do rio Pactolo, na Anatólia, foram ricas em pepitas de ouro.

 Imagem: Braeson Holland

Em 1993, Richard Auty, economista inglês e professor da Universidade de Lancaster, cunhou a expressão “maldição dos recursos naturais” para indicar a dificuldade que países detentores de grandes reservas minerais e agrícolas têm em transformar essas riquezas em bem-estar para sua população. Assim como na lenda, a abundância de recursos naturais não seria um passaporte seguro para um futuro sem miséria e pobreza. 

Entretanto, a comprovação empírica da existência dessa maldição não é uma unanimidade na ciência econômica. Existem sérias controvérsias. Essas controvérsias são resultantes de diferentes métodos de abordagem para definir o que é a abundância de riquezas naturais.

Autores que utilizaram o nível de exportação de commodities, como parâmetro para medir a abundância, encontraram evidências da maldição. A mais célebre pesquisa nesse sentido foi publicada em 1997 por Jeffrey Sachs e Andrew Warner que através da análise de uma amostra de 95 países, entre as décadas de 1970 e de 1990, encontraram uma relação inversa entre a “intensidade da exportação de recursos naturais” e o “crescimento econômico”. Em outras palavras, para esses autores, países exportadores de commodities têm encontrado muitas dificuldades em transformar essa riqueza em desenvolvimento econômico e social. [1] 

Mais recentemente esse entendimento sofreu forte reversão e muitos questionamentos. Outros autores utilizaram os estoques de recursos naturais como variável chave para análise do fenômeno. Neste caso não encontraram evidências da maldição. Christa Brunnschweiler e Erwin Bulte, em artigo publicado em 2008, estudaram 60 países no período de 1970 a 2000 e descobriram uma correlação direta entre a “abundância de recursos naturais” e o “crescimento econômico”, o que significa negar a ocorrência da maldição. [2] 

Mas afinal, será que a abundância ou escassez dos recursos naturais é realmente determinante para o desenvolvimento? Porque alguns países conseguiram transformar a maldição em benção e outros não? E nos dias atuais, será que a abundância das riquezas naturais pode ser um empecilho para um futuro sem miséria e pobreza? Para ajudar a esclarecer essa controvérsia vale a pena recordar um pouco da histórica econômica recente que, desde a Revolução Industrial, separou o mundo em países centrais e periféricos.

2.

A Europa Ocidental e os EEUU, a partir do final do século XVIII, durante o XIX e início do XX deram um salto econômico considerável, distanciando-se dos demais países. De forma simplificada, pode-se dizer que se formou uma espécie de círculo virtuoso entre acumulação de capital, aumento da produtividade e distribuição de renda nos países centrais e uma estagnação dessas mesmas variáveis nos países periféricos. 

Uma parte desse processo de separação entre os países pode ser atribuído à forças internas ao sistema do capital, onde as empresas mais competitivas e inovadores excluem do mercado as menos capacitadas, num processo que Joseph Schumpeter denominou de “destruição criativa”. No nível internacional esse processo se reproduz, quando empresas precursoras em um determinado país, criam vantagens competitivas difíceis de serem superadas pelas empresas retardatárias de áreas periféricas. 

Mais do que isso, o ambiente onde as mais competitivas e inovadoras se estabelecem promove o aumento da eficiência de toda a economia naquela região. Mais e mais excedentes, sob a forma de lucro, são gerados e destinados à busca por inovações, tanto gerenciais quanto tecnológicas, num efeito de autoalimentação que promove o que hoje se denomina de crescimento autônomo. É verdade que o crescimento autônomo não é gerado somente pelas inovações, mas essa é uma de suas principais variáveis. A lógica do mercado aumenta continuamente a diferença entre as áreas desenvolvidas e retardatárias. De um lado, bens industrializados, de maior valor agregado, em geral com poucos fabricantes, muitas vezes em regime de monopólio, oligopólio ou competição monopolista e taxas de lucro mais altas. De outro, matérias primas abundantes, com muitos produtores em forte concorrência e taxa de lucro mais baixa. 

Adicionalmente, os lucros extraordinários gerados nas regiões precursoras permitem a formação de reservas monetárias para empréstimos. Muitos países periféricos, para pagar suas importações, tomam emprestados esses recursos e, através do mecanismo dos juros, transferem uma parte da riqueza produzida da periferia para o centro. Uma vez estabelecida essa dualidade, é extremamente difícil revertê-la, tanto do ponto de vista econômico, quanto político.

Entretanto, o desenvolvimento dos países centrais não ficou a cargo somente da lógica interna associada à economia de mercado. Na maioria esmagadora dos casos os governos dos países bem-sucedidos, desde o início, protegeram suas empresas até que tivessem condições de competir no mercado internacional. 

Na Inglaterra, berço da Revolução Industrial, foram adotadas regras rígidas nesse sentido. Daron Acemoglu do MIT e James Robinson de Harvard em seu livro Porque as nações fracassam escrevem: “Depois de 1688, enquanto no âmbito interno iam se constituindo condições mais igualitárias, no plano internacional o Parlamento empenhava-se em ampliar as prerrogativas inglesas – o que é evidenciado não só pelas leis das madras, mas também pelas leis da navegação, a primeira das quais foi promulgada em 1651, e que permaneceriam em vigor, de um modo ou de outro, pelos 200 anos seguintes. Tais leis visavam facilitar o monopólio do comércio internacional pelos britânicos, ainda que com a particularidade de que se tratava de um monopólio não por parte do Estado, mas do setor privado. O princípio básico era que o comércio inglês deveria ser transportado em navios ingleses. As leis proibiam o transporte de bens de fora da Europa para a Inglaterra ou suas colônias por embarcações de bandeira estrangeira; vetavam também o transporte de produtos originários de outros países europeus para a Inglaterra em navios de uma terceira nacionalidade. Tal vantagem dos comerciantes e produtores ingleses naturalmente aumentava sua margem de lucro e talvez tenha incentivado inovações nesses novos e altamente rentáveis ramos de atividade”. [3] 

Na mesma linha, Richard Nelson da Universidade de Columbia, em seu livro As fontes do crescimento econômico, estudando o protecionismo da economia americana no período entreguerras, escreveu: “A maioria dos países industrializados que dependiam de mercados externos viveram tempos difíceis… As indústrias norte-americanas mantiveram-se em boa parte isoladas destes problemas. O país era altamente protecionista desde a época da Guerra Civil. Nos anos 1920, apesar da crescente força da indústria norte-americana, as barreiras à importação foram incrementadas, primeiro pela Tarifa Fordney-McCumber de 1922, e mais tarde pela famosa Tarifa Hawley-Smoot de 1930. Mas o mercado interno era mais do que suficiente para sustentar um rápido crescimento da produtividade e o contínuo desenvolvimento e difusão de novas tecnologias e novos produtos”. [4]

3.

Mas a interferência do Estado não foi apenas uma questão de tarifas e barreiras alfandegárias mais elevadas. Tão importante quanto as proteções aduaneiras foram as ações dos governos para aumentar a eficiência da economia local. A produtividade cresceu com investimentos públicos e privados centrados em educação, desenvolvimento tecnológico, infraestrutura física (energia, transporte e comunicações), infraestrutura social (saúde, habitação, saneamento básico e mobilidade urbana) e aumento da eficiência da burocracia do Estado. 

Esses investimentos elevaram a competividade de todas as empresas, fazendo com que o confronto com as correspondentes dos países retardatários ficasse ainda mais desigual. Além disso, essas ações, associadas à distribuição de renda, criaram, na maioria dos casos, um forte mercado interno, capaz de por si só dar sustentação e impulsionar o sistema produtivo, formando uma sólida plataforma para competir externamente. 

Mas não foi só isso. Muitos países precursores se empenharam em impedir os retardatários de alcançar o desenvolvimento. Por diversos caminhos procuraram impor a liberdade de comércio no plano internacional enquanto protegiam suas empresas e seu mercado interno. Muitas vezes, com o uso da força, esses países impediram qualquer tentativa de iniciar uma produção industrial mais elaborada nos países retardatários.

Daron Acemoglu e James Robinson, já citados, escreveram: “A China nunca chegou a ser formalmente colonizada por uma potência europeia – muito embora, depois da derrota para os ingleses nas guerras do ópio, entre 1839 e 1842, e do novo mais adiante, entre 1856 e 1860, os chineses tivessem de assinar uma série de tratados humilhantes, permitindo a entrada das exportações europeias” e continuam: “O Japão … vivia sob um regime absolutista. A família Tokugawa subiu ao poder em 1600 e assumiu o controle de um sistema feudal que também baniu o comércio internacional. O Japão também enfrentou uma circunstância crítica criada pela intervenção ocidental quando quatro navios de guerra americanos, sob o comando de Matthew C. Perry, adentraram a Baía de Edo, em julho de 1853, e impuseram concessões comerciais análogas àquelas arrancadas aos chineses pela Inglaterra nas guerras do ópio”. 

Em resumo, a lógica do sistema, as ações específicas de proteção dos mercados internos, o aumento da eficiência da economia e o bloqueio dos retardatários alteraram substancialmente o panorama mundial após a Revolução Industrial, criando uma espécie de divisão internacional de trabalho, que favoreceu, em muito, os países precursores.

Além disso, em muitos países periféricos as elites locais reagiram fortemente à chegada das fábricas a das técnicas mais modernas de produção. Isto porque temiam que a concentração de trabalhadores, de comerciantes e de estudantes poderia trazer novas ideias e movimentos políticos que viessem a alterar o sistema de poder vigente, onde a ordem feudal ou semifeudal estava estabelecida.

Daron Acemoglu e James Robinson, em relação à Rússia czarista, escreveram: “… em 1849, foi promulgada uma nova lei, estabelecendo severos limites ao número de fábricas que poderiam ser abertas em qualquer área de Moscou e proibindo especificamente a abertura de qualquer nova fiação de algodão ou lã e fundições de ferro. Em outros setores, como o de tecelagem e o de tingimento, seria preciso solicitar autorização ao governador militar para abrir novas unidades fabris. Pouco adiante, a fiação de algodão seria explicitamente banida por uma lei que pretendia evitar toda e qualquer concentração de trabalhadores potencialmente rebeldes na cidade”. … “A oposição às ferrovias acompanhou a oposição à indústria, exatamente como no Império Austro-Húngaro. Até 1842, havia uma única ferrovia na Rússia: a Tsarskoe Selo, que percorria os 27 quilômetros que separavam São Petersburgo das residências imperiais de Tsarskoe Selo e Pavlovsk”.

No Brasil não foi diferente. As elites locais durante todo o século XIX reagiram fortemente ao fim da escravatura, de tal forma que sua abolição formal só se deu em 1888, mais de um século depois do início da Revolução Industrial nos países precursores. 

Enfim, a análise dos mecanismos e processos de separação entre desenvolvidos e subdesenvolvidos permite responder as perguntas formuladas no início deste artigo. Tudo indica que essa separação sofreu pouca ou nenhuma influência da abundância ou escassez de recursos naturais, confirmando as pesquisas empíricas mais recentes. Na verdade, o que se observa é que as trajetórias bem-sucedidas foram uma combinação das forças autônomas do mercado, associadas à indução ao desenvolvimento por um Estado determinado a atingir esse objetivo. 

Aliás, essa simbiose entre crescimento autônomo e induzido pode ser observada hoje em dia na República Popular da China, onde uma boa parte da produção é privada (cerca de 60%) enquanto o Estado estabelece as diretrizes estratégicas, planeja e controla setores importantes da economia. O resultado dessa experiência é que a China cresceu a taxas próximas de 10% ao ano nas últimas quatro décadas, retirando cerca de 800 milhões de pessoas da pobreza.

De qualquer forma, independentemente das análises empíricas e dos registros históricos, é fácil constatar que existem países desenvolvidos que têm abundância de recursos naturais, como os EUA, Austrália, Canadá, Noruega, Finlândia e Nova Zelândia. Enquanto isso, outros como Nigéria, Angola, Venezuela, Iraque, Líbia, Congo, Bolívia e Sudão, apesar da fartura desses recursos, continuam subdesenvolvidos.

Com isso, é possível afirmar que o desenvolvimento, mesmo retardatário como no caso da China ou de outros países, não depende da abundância ou da escassez de riquezas naturais. O processo é fundamentalmente político e institucional. Ele se estabelece a partir de instituições capazes de planejar, executar e controlar programas e projetos de longo prazo em busca desse objetivo. Para que a maldição se transforme em benção é necessário muito mais do que implorar pela ajuda dos deuses. É preciso conhecimento aprofundado da teoria do desenvolvimento, das experiências internacionais e, acima de tudo, de vontade e ação política.

Olhando para o Brasil, pode-se dizer que o atual nível de subdesenvolvimento não foi provocado pela abundância ou escassez de recursos naturais. E sim pela incompetência das elites para estruturar uma aliança política em torno de um claro programa de desenvolvimento de longo prazo que nos retire da quase estagnação em que nos encontramos a mais de 40 anos. Enquanto isso, a pobreza, a insegurança pública, a má qualidade da educação e da saúde, o baixo nível de saneamento, a tragédia diária do transporte coletivo nas grandes cidades e muitas outras mazelas continuam infernizando a vida da maioria da população brasileira.

Notas

[1] Sachs, Jeffrey e Warner, Andrew. Natural Resource Abundance and Economic Growth, Center for International Development and Harvard Institute for International Development, 1997

[2] Brunnschweiler, Christa e Bulte, Erwin. The Resource Curse Revisited and Revised: a tale of paradoxes and red herrings. Journal of Environmental Economics and Management2008.

[3] Acemoglu, Daron e Robinson, James. Por Que as Nações Fracassam. Elsevier Editora, Rio de Janeiro, RJ, 2012.

[4] Nelson, Richard. As Fontes do Crescimento EconômicoEditora da UNICAMP, Campinas, SP, 2006.

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(*) Sergio Gonzaga de Oliveira é engenheiro (UFRJ) e economista (UNISUL). 

Publicado originalmente no site A Terra é Redonda em maio de 2024

O LABIRINTO DO CAPITAL: MOEDA, INFLAÇÃO E JUROS

 Sergio Gonzaga de Oliveira (*)

Reza a lenda que Dédalo, o arquiteto grego, desenhou e construiu o labirinto de Creta para conter o Minotauro, criatura mítica, metade homem, metade touro, que impunha duras penas aos habitantes daquela cidade. Mesmo aprisionado nas entranhas do labirinto, Minotauro exigia sacrifícios constantes de jovens virgens para aplacar sua ira. O infortúnio de Creta só terminou quando Teseu, um herói de Atenas, conseguiu derrotar e matar o Minotauro. Teseu encontrou o caminho de volta no labirinto graças a Ariadne que lhe deu um novelo de lã para marcar o percurso. 

Assim como Creta na antiguidade grega, a sociedade brasileira vive às turras para conter os seus demônios. Os juros reais no Brasil são disparadamente os mais altos do planeta. 

Um dos assuntos mais polêmicos na área econômica, nos dias de hoje, é provavelmente o combate à inflação. Apesar da intensidade do debate, muitas perguntas não são respondidas satisfatoriamente. Como por exemplo, por que a redução da atividade econômica, através do aumento dos juros, é praticamente o único instrumento utilizado pelo Banco Central para combater a inflação? Mesmo sabendo que esse caminho prejudica muito a economia e os setores mais vulneráveis da sociedade? Porque no Brasil, os níveis de juros são tão altos? Será que os déficits públicos são os únicos responsáveis pelas altas taxas? Será que a elevação dos juros é a única solução possível?

Responder a essas perguntas não é muito simples. Este artigo se propõe a abordar o assunto em seu contexto histórico, procurando entender como a financeirização recente da economia estabeleceu os contornos rígidos da atual política monetária. Mais do que isso, explicita como o enfoque monetarista, via aumento dos juros, deixa de lado os condicionantes estruturais que alimentam a inflação; como se esses não tivessem importância ou não pudessem ser equacionados e resolvidos. Além disso, discute como a elevação dos juros, longe de ser uma solução técnica e precisa, é dotada de um elevado grau de incerteza.

Muitos afirmam que o capitalismo é essencialmente uma economia de trocas monetárias. Deu seus primeiros passos quando nossos ancestrais começaram a trocar excedentes de produção. Para facilitar o comércio, criaram os mais diversos tipos de moeda. Primeiro, conchas, grãos, sal, tecidos e objetos artesanais. Em seguida metais preciosos, ouro, prata e cobre. Mais adiante, papel moeda e moeda escritural; uma simples anotação na contabilidade de um Banco. Finalmente, moeda digital, como as criptomoedas.

No início dessa evolução não se percebia muito bem a correlação entre a circulação da moeda e o funcionamento do sistema produtivo. Pelo que se sabe, a primeira tentativa de entender esse fenômeno foi elaborada pelo filósofo escocês David Hume, considerado um dos expoentes do Iluminismo. Hume, no seu ensaio “Of Money” (1), publicado em 1752, recomendou que a moeda fosse fornecida ao mercado em quantidade adequada já que um excesso provoca aumento dos preços e a escassez dificulta o comércio e a produção. Compreendeu também que uma elevação da quantidade da moeda, além das necessidades da economia, tem dois efeitos diferentes ao longo do tempo. O primeiro, a curto prazo, provoca um aumento na atividade econômica e o segundo, em prazo mais longo, resulta em aumento dos preços. A lógica descrita por Hume prevaleceu por um longo período em que a emissão de moeda era controlada por uma autoridade central.

Nas últimas décadas, entretanto, a emissão e colocação em circulação da moeda, ou mais precisamente dos meios de pagamento, sofreu profundas alterações. A moeda escritural passou a ser emitida por agentes privados a partir dos depósitos nos bancos comerciais. Pagamentos, transferências e recebimentos são então realizados sem o uso de moeda física. Além disso, os bancos, as empresas e o governo desenvolveram múltiplos instrumentos financeiros que equivalem na prática a depósitos à vista. São as aplicações de médio e longo prazo que, graças aos mercados secundários, podem ser resgatadas a qualquer momento. São chamadas de “quase moedas”. Quando esses processos se avolumaram, os Bancos Centrais perderam o monopólio da emissão da maioria dos meios de pagamento.

Em seu livro “Estabilizando uma Economia Instável” (2), Hyman Minsky escreveu:

Quando as inovações bancárias se intensificaram nos anos 1960 e 1970, ficou evidente não somente a existência de diferentes tipos de moeda, como também que a natureza da moeda relevante é mutante à medida que as instituições evoluem. O significado da moeda, dos bancos e das finanças não pode ser entendido sem considerar a evolução e a inovação financeira: a moeda é, na verdade, uma variável endogenamente determinada – em vez de algo mecanicamente controlado pelo Fed; a oferta tende a ajustar-se passivamente à demanda”.

Não por acaso, em 1972, os EUA abandonaram o lastro ouro, deixando para trás o controle quantitativo da moeda.

O flagelo da inflação

Com o passar do tempo, ficou claro que a inflação não é um fenômeno puramente monetário como pareceu a Hume. Que não é só a variação da quantidade de moeda em circulação que gera inflação. O aumento generalizado dos preços pode ter várias origens. Fenômenos conjunturais como um excesso de demanda, uma insuficiência de oferta, o aumento brusco dos custos de produção, as variações no câmbio e a disputa pela renda nacional entre salários e lucros podem criar ou alimentar a alta dos preços.

Nos anos de 2020 e 2021 uma pandemia provocada por um coronavírus, atingiu grande parte da população mundial. Enquanto as vacinas eram desenvolvidas e testadas, muitas medidas restritivas à movimentação e aglomeração das pessoas foram adotadas pelos governos. Por conta disso, em 2020 o nível da atividade econômica caiu muito. Segundo o Banco Mundial, o Covid 19 lançou a economia na pior recessão desde a Segunda Grande Guerra. Quando no final da pandemia a atividade econômica começou a se recuperar, as cadeias produtivas estavam em grande parte paralisadas. Os fabricantes e comerciantes tiveram grande dificuldade em obter produtos e matérias primas, caracterizando um aumento rápido da demanda diante de uma escassez de oferta.

No ano seguinte, quando a recuperação das cadeias produtivas ainda não tinha se completado, explodiu a guerra a entre a Rússia e a Ucrânia. A guerra reduziu rapidamente a oferta de petróleo e gás proveniente da Rússia, provocando um aumento do preço desses produtos. Como esses insumos interferem em quase todas as cadeias produtivas, o aumento de seus preços induziu uma elevação de custos generalizada.

O que se observou, então, foi uma sequência relativamente rápida de aquecimento da demanda, escassez de oferta e aumento de custos. Como era de se esperar a inflação subiu na maioria dos países. Nos EUA, no acumulado de 12 meses, atingiu 9,1% em junho de 2022, um valor que não havia sido registrado desde a década de 80 do século passado.

Tanto no aquecimento da demanda quanto na escassez de oferta a inflação resulta da ação empresarial em busca de lucros mais elevados. As empresas aumentam os preços aproveitando o desequilíbrio do mercado. As taxas de lucro crescem em toda a economia. Da mesma forma, quando os custos de produção sofrem um aumento acentuado, os empresários elevam os preços para tentar manter as margens de lucro. Essas modalidades de inflação, muitas vezes, se manifestam como ondas de choque, isto é, surgem, atingem um máximo e se dissipam ao longo do tempo, na medida em que as cadeias produtivas se adaptam às novas condições ou cessam os fenômenos que lhe deram origem. 

No rastro dessas ondas de choque, não poucas vezes, ocorrem disputas entre salários e lucros. Com a elevação dos preços, os trabalhadores e seus sindicatos pressionam por aumentos salariais. Sucessivamente, reajustes de preços por parte dos empresários e aumentos de salários instalam uma espiral inflacionária. Na verdade, esse fenômeno não é tão simples, já que pode se manifestar quando a economia em expansão promove uma queda na taxa de desemprego. Nessas circunstâncias, uma valorização dos salários via mercado ou um aumento no poder de negociação sindical provocam uma alta nos custos trabalhistas. Para manter os lucros, os empresários sobem os preços.

Entretanto, muito além desses choques de conjuntura, condicionantes estruturais alteram a dinâmica inflacionária. Concentração de mercado, especialmente no setor bancário, sensibilidade do câmbio aos movimentos livres do capital, necessidade de capital estrangeiro para fechar as contas externas, desajustamento das cadeias produtivas, dependência dos preços internacionais de commodities, deformações estruturais no mercado de trabalho, déficits governamentais elevados e persistentes, estrutura tributária complexa e onerosa, baixa produtividade da economia, instabilidade política e correção monetária nos contratos de longo prazo são os mais recorrentes. Nas economias dos países periféricos, esses condicionantes podem ser muito significativos, criando uma base inflacionária que resiste muito aos instrumentos monetários tradicionais de combate à inflação.

Em resumo, o aumento generalizado dos preços é um fenômeno complexo. Mais do que isso, a inflação causa danos à economia e à sociedade. Os trabalhadores têm dificuldade para repor as perdas salariais. De outro lado, aqueles que tem renda de capital ou de fundos para empréstimos, sofrem menos com a inflação. No final, a inflação se torna um imposto perverso que incide fortemente sobre a população mais vulnerável. Além disso, a variação dos preços provoca incerteza no planejamento das empresas que tomam decisões de longo prazo.

A bala de prata: as taxas de juros no combate à inflação 

Desde que a emissão dos meios de pagamento migrou dos Bancos Centrais para o mercado financeiro, o instrumento mais utilizado para combater a inflação tem sido a redução da atividade econômica através do aumento dos juros básicos da economia. 

Na introdução do já citado livro, “Estabilizando uma Economia Instável” (2), o economista José Maria Alves da Silva explica bem essa mudança: 

Os desenvolvimentos financeiros que se fizeram sentir, notadamente a partir da década de 1980, mostraram aos dirigentes dos bancos centrais das nações desenvolvidas que se eles tomassem por alvo o tradicional conceito de M1 (papel moeda em poder do público mais depósitos à vista nos bancos comerciais) estariam tentando controlar um agregado que se tornava cada vez mais irrisório, como proporção do PIB; se, por outro lado, mirassem agregados mais ampliados (M3 ou M4) percebiam que os mesmos estavam muito além de suas possibilidades de controle. Conclusão: a “quantidade de moeda tradicional” era irrelevante, como meta de política monetária, e a “quantidade relevante” estava fora de controle. Isso estava perfeitamente de acordo com as proposições de Minsky e Nicholas Kaldor, entre outros, que apregoavam a hipótese da endogeneidade monetária. A partir daí, em vez de tentar controlar qualquer agregado monetário, os bancos centrais passaram a utilizar políticas de controle de taxas de juros, como já havia recomendado James Tobin no início da década de 1970, no debate em que se opunha à regra de Friedman.

Quando o Banco Central aumenta os juros básicos, as demais taxas vão na mesma direção. Na medida que os juros sobem, a atividade econômica tende a diminuir. Com a redução da atividade o desemprego aumenta e o consumo diminui. Os empresários ficam com mais dificuldade para recompor ou aumentar os lucros. Entretanto, essa relação não é direta. Existe, na prática, uma defasagem de tempo, difícil de aferir, entre a atuação do Banco Central e o aumento generalizado dos juros. E também, uma demora entre a subida geral dos juros e a efetiva redução da atividade.

Além disso, as autoridades monetárias, com sua movimentação, pretendem algo mais do que, pontualmente, reduzir a atividade econômica para conter a inflação. No médio e longo prazo querem criar entre os agentes econômicos a expectativa de que elas agirão com todo o rigor, em qualquer cenário, para evitar a instalação da disputa entre salários e lucros na sequência de choques inflacionários. No final, a manutenção dessa expectativa tem sido um componente significativo da política monetária. Não à toa, o Banco Central se preocupa muito com a divulgação de suas intenções, através de comunicados e atas de reuniões, obviamente para influir nas expectativas dos agentes. Por conta disso, os indicadores de expectativa sobre a inflação futura ou sobre a intenção da autoridade monetária são balizadores relevantes da ação o Banco Central. O grande problema subjacente a esse entendimento está na definição e interpretação desses indicadores, já que são tradicionalmente voláteis, de difícil aferição e pouco confiáveis, principalmente em países periféricos.

Em resumo, o combate à inflação através do aumento dos juros contém uma boa dose de imprecisão, seja na defasagem entre a ação do Banco Central e a reação da economia, seja na mensuração das expectativas dos agentes. Por conta disso, pode-se afirmar que a condução da política monetária envolve um elevado grau de incerteza. A margem de erro pode ser muito alta, causando sérios prejuízos à economia e a sociedade. Além disso, o combate à inflação por esse caminho é uma ação conjuntural, não levando em consideração fatores estruturais que pressionam os níveis de preço.

A face perversa do combate à inflação

Muitas pesquisas empíricas recentes têm mostrado que a tendência à concentração de renda é insistentemente recorrente no sistema de produção capitalista. Essa tendência tem sido reforçada pelas atuais políticas monetárias anti-inflacionárias adotadas pelos Bancos Centrais. A perversidade dessas políticas reside no fato que elas procuram manter uma parcela dos trabalhadores desempregados, como forma de pressionar os que estão trabalhando para não reivindicar ganhos salariais. Mais do que isso, o aumento dos juros impacta direta e negativamente o orçamento e a dívida pública, restringindo a capacidade do governo em manter os serviços essenciais ou investir no desenvolvimento econômico e social.

Como na lenda do Minotauro, o sistema exige muitos sacrifícios da população, especialmente dos mais pobres, para conter a ira da inflação. Mas esse Minotauro é seletivo. A elevação dos juros, como principal instrumento de redução da atividade, prejudica os mais vulneráveis e as empresas que atuam na produção de bens e serviços. Em uma perversa compensação, favorece os rentistas; a elite rica detentora de aplicações financeiras nos mercados de capitais.

Certamente existem soluções para reduzir o impacto dessa disputa entre o flagelo da inflação e o amargo remédio da elevação dos juros. Envolve certamente mudanças institucionais que sincronizem as políticas fiscal, monetária e cambial. Mas, acima de tudo, depende da capacidade do Estado em implementar reformas estruturantes (incluindo medidas micro e macro prudenciais) para tornar a economia e a sociedade mais resistentes aos choques inflacionários. Nos países periféricos e ainda subdesenvolvidos as disfunções são muito mais graves, exigindo um enorme esforço político institucional.

No Brasil não é diferente. Muitos condicionantes estruturais, como os citados anteriormente neste artigo, pressionam a inflação. Por conta disso, tem sido recorrente reduzir drasticamente a atividade econômica, via aumento de juros, para obter resultados pífios e de curta duração.

Entretanto, para corrigir essas distorções são necessárias condições políticas que o atual modelo de presidencialismo brasileiro é incapaz de fornecer. Muito provavelmente será necessário, antes de tudo, uma reforma política que instale uma relação minimamente funcional entre o legislativo e o executivo, em linha com o artigo “A Mãe de Todas as Reformas” (3) que publiquei em novembro de 2021. Certamente, o que não se pode é ficar esperando que, algum dia, heróis míticos como Teseu e Ariadne, venham em nosso auxílio.

(1) Hume, David, Of Money and Other Economic Essays, AmazonCreate Space Independent Publishing Platform, Califórnia, USA, 2017

(2) Minsky, Hyman, Estabilizando uma Economia Instável, Novo Século Editora, Osasco, SP, 2013

(3) Oliveira, Sergio Gonzaga, A Mãe de Todas as Reformas, Rio de Janeiro, novembro de 2021

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(*) Sergio Gonzaga de Oliveira é engenheiro pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e economista pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL).

Publicado originalmente no blog Democracia e Socialismo em junho de 2023

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